sábado, 16 de outubro de 2010

É quando o amor não basta


É Quando o Amor Não Basta



É de manhã, vou-me embora,
mas não é para Pasárgada,
que aliás não existe mais.
Nem para a grande pescaria noturna
nas águas barrentas do Paraquequara.
Não vou partir para a guerra,
nem para a crista da serra.
Não vou para a boca azul
nem para a curva dos joelhos
que vi, e estremeci, era verão,
na margem esquerda do Reno.
Não vou para onde devo e quero,
no chão amado da infância,
lá onde tenho um lugar.
Sobretudo não vou, perdeu-se o rumo,
para o espesso aroma noturno,
espessa relva estrelada
que te subia do amor.

Vou-me embora desta esplanada de canções,
do reino desta menina que é dona do arco-íris,
vou-me embora desta cozinha
onde inventei guisados
em que não o orégano nem a noz-moscada,
mas a ternura, a velha ternura humana,
foi sempre o melhor tempero.

É porque o amor somente não basta
para cravar na rocha o sortilégio
da límpida alegria do convívio,
que é o chão e a flor do entendimento humano.

Ainda não sei nem me importa para onde vou.
Vou porque é preciso.
Porque ficar ficou feio,
porque já não estamos mais.
Porque faz tempo que tu já te fostes.

Vou-me embora, vou levando
o espanto dentro da paz.
E amargamente sabendo
que dessa roseira, rosa
não vai nascer nunca mais.


Thiago de Mello – Santiago, 1972

5 comentários:

  1. Achei esse poema anotado nas minhas coisas e resolvi postar! A imagem construída é bem forte e imponente!

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  2. "Ainda não sei nem me importa para onde vou.
    Vou porque é preciso.
    Porque ficar ficou feio,
    porque já não estamos mais.
    Porque faz tempo que tu já te fostes"
    Belíssimo!!

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  3. "Ainda não sei nem me importa para onde vou.
    Vou porque é preciso.
    Porque ficar ficou feio,
    porque já não estamos mais.
    Porque faz tempo que tu já te fostes."
    Selecionei a mesma parte da Gabi! Gente, não conhecia Thiago de Melo...mas já amei!

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  4. holy shit.sorry.you good.kkkkkkkkkkkkkkkk

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