sexta-feira, 29 de abril de 2011

Tempo para viver



"O tempo para ler, assim como o tempo para amar, aumenta o tempo para viver."






Daniel Pennac

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Em tudo existe o mesmo brilho

A Árvore da Serra
Augusto dos Anjos

— As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho...
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!

— Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs almas nos cedros... no junquilho...
Esta árvore, meu pai, possui minh'alma! ...

— Disse — e ajoelhou-se, numa rogativa:
"Não mate a árvore, pai, para que eu viva!"
E quando a árvore, olhando a pátria serra,

Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!

A alegria da tristeza




"O título desse texto na verdade não é meu, e sim de um poema do uruguaio Mario Benedetti. No original, chama-se Alegría de la tristeza e está no livro La vida ese paréntesis que, até onde sei, permanece inédito no Brasil.


O poema diz que a gente pode entristecer-se por vários motivos ou por nenhum motivo aparente, a tristeza pode ser por nós mesmos ou pelas dores do mundo, pode advir de uma palavra ou de um gesto, mas que ela sempre aparece e devemos nos aprontar para recebê-la, porque existe uma alegria inesperada na tristeza, que vem do fato de ainda conseguirmos senti-la.


Pode parecer confuso mas é um alento. Olhe para o lado: estamos vivendo numa era em que pessoas matam em briga de trânsito, matam por um boné, matam para se divertir. Além disso, as pessoas estão sem dinheiro. Quem tem emprego, segura. Quem não tem, procura. Os que possuem um amor desconfiam até da própria sombra, já que há muita oferta de sexo no mercado. E a gente corre pra caramba, é escravo do relógio, não consegue mais ficar deitado numa rede, lendo um livro, ouvindo música. Há tanta coisa pra fazer que resta pouco tempo pra sentir.


Por isso, qualquer sentimento é bem-vindo, mesmo que não seja uma euforia, um gozo, um entusiasmo, mesmo que seja uma melancolia. Sentir é um verbo que se conjuga para dentro, ao contrário do fazer, que é conjugado pra fora.


Sentir alimenta, sentir ensina, sentir aquieta. Fazer é muito barulhento.


Sentir é um retiro, fazer é uma festa. O sentir não pode ser escutado, apenas auscultado. Sentir e fazer, ambos são necessários, mas só o fazer rende grana, contatos, diplomas, convites, aquisições. Até parece que sentir não serve para subir na vida.


Uma pessoa triste é evitada. Não cabe no mundo da propaganda dos cremes dentais, dos pagodes, dos carnavais. Tristeza parece praga, lepra, doença contagiosa, um estacionamento proibido. Ok, tristeza não faz realmente bem pra saúde, mas a introspecção é um recuo providencial, pois é quando silenciamos que melhor conversamos com nossos botões. E dessa conversa sai luz, lições, sinais, e a tristeza acaba saindo também, dando espaço para uma alegria nova e revitalizada. Triste é não sentir nada. "




Martha Medeiros

quarta-feira, 27 de abril de 2011

As palavras



As palavras saem quase sem querer
Rezam por nós dois
Tome conta do que vai dizer
Elas estão dentro dos meus olhos
Da minha boca, dos meus ombros.
Se quiser ouvir
É fácil perceber

Não me acerte
Não me cerque
Me dê absolvição
Faça luz onde há involução
Escolha os versos para ser meu bem
E não ser meu mal
Reabilite o meu coração

Tentei
Rasguei sua alma e pus no fogo
Não assoprei
Não relutei
Os buracos que eu cavei
Não quis rever
Mas o amargo delas resvalou em mim
Não me deu direito de viver em paz
Estou aqui pra te pedir perdão

As palavras fogem 
Se você deixar
O impacto é grande demais
Cidades inteiras nascem a partir daí
Violentam, enlouquecem, ou me fazem dormir
Adoecem, curam ou me dão limites
Vá com carinho no que vai dizer




(Vanessa da Mata)

...mar de volúpia...




"Não fui eu que possuí esta mulher; e sim, ela que me possuiu todo, e tanto, que não me resta daquela noite mais do que uma longa sensação de imenso deleite, na qual me sentia afogar como num mar de volúpia..."


Trecho de Lucíola, de José de Alencar. 

Luar...




De brejo em brejo,
os sapos avisam:
–A lua surgiu!…
No alto da noite as estrelinhas piscam,
puxando fios,
e dançam nos fios
cachos de poetas.
A lua madura
Rola,desprendida,
por entre os musgos
das nuvens brancas…
Quem a colheu,
quem a arrancou
do caule longo
da via-láctea?…
Desliza solta…
Se lhe estenderes
tuas mãos brancas,
ela cairá…

(Guimarães Rosa)

Nem defeito, nem erro


"Tem coisas da gente que não são defeito nem erro: são só jeito da gente ser”.

Caio Fernando Abreu

terça-feira, 26 de abril de 2011

O silêncio


Convivência entre o poeta e o leitor, só no silêncio da leitura à sós. A sós, os dois. Isto é, livro e leitor. Este não quer saber de terceiros, não quer que interpretem, que cantem, que dancem um poema. O verdadeiro amador de poemas ama em silêncio...

Mario Quintana, In: A vaca e o hipogrifo

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Algo indescritível

Carrego comigo
Drummond

Carrego comigo
há dezenas de anos
há centenas de anos
o pequeno embrulho.

Serão duas cartas?
será uma flor?
será um retrato?
um lenço talvez?

Já não me recordo
onde o encontrei.
Se foi um presente
ou se foi furtado.

Se os anjos desceram
trazendo-o nas mãos,
se boiava no rio,
se pairava no ar.

Não ouso entreabri-lo.
Que coisa contém,
ou se algo contém,
nunca saberei.

Como poderia
tratar esse gesto?
O embrulho é tão frio
e também tão quente.

Ele arde nas mãos,
é doce ao meu tato.
Pronto me fascina
e me deixa triste.

Guardar um segredo
em si e consigo,
não querer sabê-lo
ou querer demais.

Guardar um segredo
de seus próprios olhos,
por baixo do sono,
atrás da lembrança.

A boca experiente
saúda os amigos.
Mão aperta mão,
peito se dilata.

Vem do mar o apelo,
vêm das coisas gritos.
O mundo te chama:
Carlos! Não respondes?

Quero responder.
A rua infinita
vai além do mar.
Quero caminhar.

Mas o embrulho pesa.
Vem a tentação
de jogá-lo ao fundo
da primeira vala.

Ou talvez queimá-lo:
cinzas se dispersam
e não fica sombra
sequer, nem remorso.

Ai, fardo sutil
que antes me carregas
do que és carregado,
para onde me levas?

Por que não me dizes
a palavra dura
oculta em teu seio,
carga intolerável?

Seguir-te submisso
por tanto caminho
sem saber de ti
senão que te sigo.

Se agora te abrisses
e te revelasses
mesmo em forma de erro,
que alívio seria!

Mas ficas fechado.
Carrego-te à noite
se vou para o baile.
De manhã te levo

para a escura fábrica
de negro subúrbio.
És, de fato, amigo
secreto e evidente.

Perder-te seria
perder-me a mim próprio.
Sou um homem livre
mas levo uma coisa.

Não sei o que seja.
Eu não a escolhi.
Jamais a fitei.
Mas levo uma coisa.

Não estou vazio,
não estou sozinho,
pois anda comigo
algo indescritível.

Miríades de possibilidades




"Os livros podem não alterar nosso sofrimento, os livros podem não nos proteger do mal, os livros podem não nos dizer o que é bom e o que é belo, e certamente não terão como nos livrar do destino comum ─ a tumba. Mas os livros nos abrem miríades de possibilidades: de mudança, de iluminação. Pode bem ser que nenhum livro, por mais bem escrito que seja, consiga remover um grama de dor da tragédia do Iraque ou de Ruanda, mas pode bem ser que não haja livro, por mais mal escrito que seja, que não contenha alguma epifania para algum leitor."




A Biblioteca à Noite, Alberto Manguel.

domingo, 24 de abril de 2011

AME


Amar é uma decisão, não um sentimento. Amar é dedicação. Amar é um verbo e o fruto dessa ação é o amor. O amor é um exercício de jardinagem. Arranque o que faz mal, prepare o terreno, semeie, seja paciente, regue e cuide. Esteja preparado porque haverá pragas, secas ou excesso de chuvas, mas nem por isso abandone o seu jardim. Ame, ou seja, aceite, valorize, respeite, dê afeto, ternura, admire e compreenda. Simplesmente: AME! A vida sem AMOR… não tem sentido.

Ágape, Pe Marcelo.

FELIZ PÁSCOA!

quarta-feira, 20 de abril de 2011

escrita



____________ apetece-me brincar seriamente com a escrita já que em parte todos, eu inclusive, a tomam por brincadeira. Mas a escrita que me abrange é poder iluminativo, e finalidade de vida que causa temor. O temor da escrita. Dela é mais preferível não falar do que falar. Fazer tal aliança com o horizonte possível do nada, cria um novo ramo de árvore ao horizonte.

Maria Gabriela Llansol
Um falcão em punho

Te amo!

O Beijo - Gustave Klimt

Mas o pior não é não conseguir,
É desistir de tentar.
Não acredite no que eles dizem,
Perceba o medo de amar!
Eu cresci ouvindo anedotas, clichês e chacotas, frustrações
Sobre amasiar, se casar...
Se entregar seria fraquejar
Te amo, Te amo, Te amo!
Te amo, Te amo, Te amo!
E se o tempo levar você?
E um dia eu te olhar e não te reconhecer?
E se o romance se desconstruir, perder o sentido e me esquecer por ai?
Mas nós somos um quadro de Klimt, O beijo para sempre, fagulhando em cores
Resistindo a tudo!
Seremos dois velhos felizes de mãos dadas numa tarde de sol
Pra sempre...
Te amo, te amo, te amo!

Vanessa da Mata

Oração




"Que eu não perca a capacidade de amar, de ver, de sentir. Que eu continue alerta. Que, se necessário, eu possa ter novamente o impulso do vôo no momento exato. Que eu não me perca, que eu não me fira, que não me firam, que eu não fira ninguém. Livra-me dos poços e dos becos de mim, Senhor. Que meus olhos saibam continuar se alargando sempre. Amém."
Caio F. Abreu

terça-feira, 19 de abril de 2011

Estou no ar


MAPA
Murilo Mendes

Me colaram no tempo, me puseram
uma alma viva e um corpo desconjuntado. Estou
limitado ao norte pelos sentidos, ao sul pelo medo,
a leste pelo Apóstolo São Paulo, a oeste pela minha educação.

Me vejo numa nebulosa, rodando, sou um fluido,
depois chego à consciência da terra, ando como os outros,
me pregam numa cruz, numa única vida.
Colégio. Indignado, me chamam pelo número, detesto a hierarquia.

Me puseram o rótulo de homem, vou rindo, vou andando, aos solavancos.
Danço. Rio e choro, estou aqui, estou ali, desarticulado,
gosto de todos, não gosto de ninguém, batalho com os espíritos do ar,
alguém da terra me faz sinais, não sei mais o que é o bem
nem o mal.

Minha cabeça voou acima da baía, estou suspenso, angustiado, no éter,
tonto de vidas, de cheiros, de movimentos, de pensamentos,
não acredito em nenhuma técnica.

Estou com os meus antepassados, me balanço em arenas espanholas,
é por isso que saio às vezes pra rua combatendo personagens imaginários,
depois estou com os meus tios doidos, às gargalhadas,
na fazenda do interior, olhando os girassóis do jardim.

Estou no outro lado do mundo, daqui a cem anos, levantando populações…
Me desespero porque não posso estar presente a todos os atos da vida.

Onde esconder minha cara? O mundo samba na minha cabeça.
Triângulos, estrelas, noites, mulheres andando,
presságios brotando no ar, diversos pesos e movimentos me chamam a atenção,
o mundo vai mudar a cara,
a morte revelará o sentido verdadeiro das coisas.Andarei no ar.

Estarei em todos os nascimentos e em todas as agonias,
me aninharei nos recantos do corpo da noiva,
na cabeça dos artistas doentes, dos revolucionários.

Tudo transparecerá:
vulcões de ódio, explosões de amor, outras caras aparecerão na terra,
o vento que vem da eternidade suspenderá os passos,
dançarei na luz dos relâmpagos, beijarei sete mulheres,
vibrarei nos cangerês do mar, abraçarei as almas no ar,
me insinuarei nos quatro cantos do mundo.

Almas desesperadas eu vos amo. Almas insatisfeitas, ardentes.
Detesto os que se tapeiam,
os que brincam de cabra-cega com a vida, os homens “práticos”…
Viva São Francisco e vários suicidas e amantes suicidas,
os soldados que perderam a batalha, as mães bem mães,
as fêmeas bem fêmeas, os doidos bem doidos.
Vivam os transfigurados, ou porque eram perfeitos ou porque jejuavam muito…
viva eu, que inauguro no mundo o estado de bagunça transcendente.

Sou a presa do homem que fui há vinte anos passados,
dos amores raros que tive,
vida de planos ardentes, desertos vibrando sob os dedos do amor,
tudo é ritmo do cérebro do poeta. Não me inscrevo em nenhuma teoria,
estou no ar,
na alma dos criminosos, dos amantes desesperados,
no meu quarto modesto da praia de Botafogo,
no pensamento dos homens que movem o mundo,
nem triste nem alegre, chama com dois olhos andando,
sempre
em transformação.

Quieta e calada




"A experiência da vida devia ter-me convencido de que o melhor de todos os sentimentos é um egoísmo quieto e calado."
Machado de Assis

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Sem o álcool



"Com a lucidez dos embriagados, haviam-se reconhecido desde o primeiro momento. Ou talvez estivessem realmente destinados um ao outro, e mesmo Sem o álcool, numa rua repleta saberiam encontrar-se. O fulgor nos olhos e a incerteza intensificada nos passos fora a pergunta de um e a resposta de outro”.


O Inventário do Ir-remediável, Caio Fernando Abreu

A vida é traição

Momento num café
Manuel Bandeira

Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto, distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes da vida.

Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Minha herança: uma flor

Vanessa da Mata




Achei você no meu jardim
Entristecido

Coração partido

Bichinho arredio

Peguei você pra mim
Como a um bandido
Cheio de vícios
E fiz assim, fiz assim

Reguei com tanta paciência
Podei as dores, as mágoas, doenças
Que nem as folhas secas vão embora
Eu trabalhei

Fiz tudo, todo meu destino
Eu dividi, ensinei de pouquinho
Gostar de si, ter esperança e persistência
Sempre

A minha herança pra você
É uma flor com um sino, uma canção
Um sonho, nem uma arma ou uma pedra
Eu deixarei

A minha herança pra você
É o amor capaz de fazê-lo tranqüilo
Pleno, reconhecendo o mundo
O que há em si

E hoje nos lembramos
Sem nenhuma tristeza
Dos foras que a vida nos deu
Ela com certeza estava juntando
Você e eu

Achei você no meu jardim

Começo de sabedoria


"Às vezes é preciso recolher-se. O coração não quer obedecer, mas alguma vez aquieta; a ansiedade tem pés ligeiros, mas alguma vez resolve sentar-se à beira dessas águas. Ficamos sem falar, sem pensar, sem agir. É um começo de sabedoria, e dói. Dói controlar o pensamento, dói abafar o sentimento, além de ser doloroso parece pobre, triste e sem sentido. Amar era tão infinitamente melhor; curtir quem hoje se ausenta era tão imensamente mais rico. Não queremos escutar essa lição da vida, amadurecer parece algo sombrio, definitivo e assustador. Mas às vezes aquietar-se e esperar que o amor do outro nos descubra nesta praia isolada é só o que nos resta. Entramos no casulo fabricado com tanta dificuldade, e ficamos quase sem sonhar. Quem nos vê nos julga alheados, quem já não nos escuta pensa que emudecemos para sempre, e a gente mesmo às vezes desconfia de que nunca mais será capaz de nada claro, alegre, feliz. Mas quem nos amou, se talvez nos amar ainda há de saber que se nossa essência é ambigüidade e mutação, este silencio é tanto uma máscara quanto foram, quem sabe, um dia os seus acenos." Lya Luft

Pérolas


Pérolas




"(...) Era verdade, ela preferia ficar, ela ainda o amava. Um amor meio esgarçado, sem alegria. Mas ainda amor. Roberto não passava de uma nebulosa imprecisa e que só seus olhos assinalaram a distância. No entanto, dentro de algumas horas, na aparente candura de uma varanda... Os acontecimentos se precipitando com uma rapidez de loucura, força de pedra que dormiu milênios e de repente estoura na avalancha. E estava em suas mãos impeir. Crispou-as dentro do bolso do ropão."


Lygia Fagundes Telles
(Oito contos de amor)

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Juramento


DEDUÇÃO

Não acabarão nunca com o amor,
nem as rusgas,
nem a distância.
Está provado,
pensado,
verificado.
Aqui levanto solene
minha estrofe de mil dedos
e faço o juramento:
Amo
firme,
fiel
e verdadeiramente.

Vladímir Maiakóvski (1922)

14 de abril, 81 anos sem Maiakóvski

La vie en rose


Hold me close and hold me fast

The magic spell you cast

This is la vie en rose


When you kiss me heaven sighs

And though I close my eyes

I see la vie en rose


When you press me to your heart

I'm in a world apart

A world where roses bloom


And when you speak

Angels sing from above

Everyday, words seem to turn into love songs


Give your heart and soul to me

And life will always be

La vie en rose

Composição original: Edith Piaf


- Clique *aqui, para ouvir na voz de Louis Armstrong; *aqui, para ouvir nas vozes de Tony Bennett e K.D. Lang; e *aqui para ouvir a versão original, em francês, de Edith Piaf.

A palavra amor


"Não facilite com a palavra amor.

Não a jogue no espaço, bolha de sabão.

Não se inebrie com o seu engalanado som.

Não a empregue sem razão acima de toda a razão (e é raro).

Não brinque, não experimente, não cometa a loucura

sem remissão de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra

que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.

Não a pronuncie"


Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Dia do beijo


"Eu quero beijos intermináveis até que os olhos mudem de cor!" (Vanessa da Mata)

Fresco


"Tenho um amor fresco e com gosto de chuva e raios e urgências. Tenho um amor que me veio pronto, assim, água que caiu de repente, nuvem que não passa. Me escorrem desejos pelo rosto pelo corpo. Um amor susto. Um amor raio trovão fazendo barulho. Me bagunça. E chove em mim todos os dias. "


Caio F. Abreu

terça-feira, 12 de abril de 2011

Sopro


29 de julho de 1977, sexta

Figura sublime, intuitiva, nós falamos sobre a vida. Na sua entrada e na sua saída. Na sua passagem e na sua permanência. Teus lábios murmuram trevas, teus lábios indiciam luz. Neles se encontram o alimento e o sopro, a palavra e o beijo.
O branco inicial da profecia, da simplicidade, da ignorância e da crueldade. O branco do primeiro prazer, do riso sem consequências, da sabedoria que se desconhece, da divisão que ainda não veio. O azul claro da tua chama.
Esta a Vida da tua boca, na qual se acende o bruxulear de uma ténue luz. Boca côncava, de calor, de ar e de sopro. A tua respiração ofegante apaga-a.
Respira com ritmo, figura sublime, inspira a luz até a fortalecer na sua fragilidade inicial. Em Margarida, o saber disponível criara a vontade de poder.

Criara-se um sólido campo de batalha. Tu és mais sábia, mas a tua ignorância aumentou; tu és mais cruel, mas a tua compaixão aumentou, tu és mais simples, mas a tua arte aumentou.
E Cisca [a gata] era a força do que muda contra a vontade de fixação.
Se eu escolher, fico num vale frio e de brisa estranhos.
A acidez do Mundo.
As noites a fio.
Em todo esse périplo, o saber é cada vez mais Poder. Se eu escolher um vale de frio e de brisa estranhos ___________


Trecho de Um arco singular, Livro de horas II, de Maria Gabriela Llansol.

Perceber é conceber


Blanco
Octavio Paz

Me vejo no que vejo
Como entrar por meus olhos
Em um olho mais límpido

Me olha o que eu olho
É minha criação
Isto que vejo

Perceber é conceber
Águas de pensamentos
Sou a criatura
Do que vejo.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Eu quero


"— Mas eu não quero conforto. Quero Deus, quero a poesia, quero o perigo autêntico, quero a liberdade, quero a bondade. Quero o pecado."


Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Serenamente


17 de julho de 1977, domingo

Esta manhã, cerca das sete e meia, acordei com uma grande sensação de bem-estar como se todos os problemas estivessem a ser vistos e resolvidos a uma luz muito clara; levantei-me para limpar o canto dos gatos, dar de comer aos animais, libertá-los no jardim que estava húmido como mais tarde estaria inundado de chuva; regressei ao meu quarto e adormeci serenamente (numa concha de água tépida e serena).

20 de julho de 1977

Pergunta desta noite:
- O que é um amante?
(surge depois da ideia "os corpos apagam-se")


Trechos de Um arco singular, Livro de horas II, de Maria Gabriela Llansol.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Desejo de partir


5 de julho de 1977, terça

Durante estes dias não sou a mesma que escreve; sozinha na casa de Jodoigne, que nada mais me oferece do que um espaço vazio imprevisivelmente alargado pelo sol, espero; meu corpo de viagem pôs-se em movimento, meu corpo de poder deseja o dinheiro e as relações, penetro pouco a pouco na trama do passado.
Mas o que mais me faz sofrer é meu corpo de cavalo, que clama por deslocações e uma penetração real na amplitude da terra. Sem me conseguir suportar acordada, adormeço.
As férias são a época convencional das viagens; meu desejo de partir se torna, então, tão intenso que tudo, mesmo memória, me aparece sob a forma de nostalgia.
Estou a tentar dissecar o que me tem absorvido/encharcado desde o começo das férias. Começaram subitamente, quando eu esperava apenas ter todo o espaço e tempo a partir do dia 10. Augusto está ocupado, a minha mulher autónoma, umas das minhas múltiplas imagens, sente-se presa no seu papel anterior. Desejava gastar, conduzir um automóvel, possuir, dominar, dirigir-me para o verde como uma perfeição impenetrável.

Trecho de Um arco singular, Livro de horas II, de Maria Gabriela Llansol.

Assim te amo porque não sei te amar de outra maneira

A Dança
Pablo Neruda


Não te amo como se fosse rosa de sal, topázio

Ou flecha de cravos que propagam fogo:

Te amo como se amam certas coisas obscuras,

Secretamente, entre a sombra e a alma.


Te amo como a planta que não floresce e

Leva dentro de si, oculta, a luz daquelas flores.

E graças a teu amor, vive oculto em meu
Corpo o apertado aroma que ascende da terra.


Te amo sem saber como, nem quando, nem onde.
Te amo diretamente sem problemas nem orgulho;

Assim te amo porque não sei amar de outra maneira,


Senão assim, deste modo, em que não sou nem és.

Tão perto de tua mão sobre meu peito é minha,

Tão perto que se fecham teus olhos com meu sonho.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Não só de pão vive o homem

MEIO PÃO E UM LIVRO

Fala de Federico García Lorca ao Povo de Fuente de Vaqueros (Granada). Setembro, 1931


Quando alguém vai ao teatro, a um concerto ou a uma festa de qualquer tipo que seja, se a festa é de seu agrado, recorda imediatamente e lamenta que as pessoas que ele ama não se encontrem ali. “Como isso agradaria a minha irmã e ao meu pai”, pensa, e não goza já do espetáculo sem sentir uma leve melancolia. Esta é a melancolia que eu sinto, não pela gente da minha casa, o que seria pequeno e ruim, senão por todas as criaturas que, por falta de meios e por desgraça sua, não gozam do supremo bem da beleza que é a vida, a bondade, a serenidade e a paixão.

Por isso não tenho nunca um livro, porque presenteio tantos quanto compro, que são infinitos, e por isso estou aqui honrado e contente em inaugurar essa biblioteca do povo, a primeira seguramente em toda a província de Granada.

Não só de pão vive o homem. Se eu tivesse fome e estivesse desvalido na rua, não pediria um pão, mas sim pediria meio pão e um livro. E eu ataco desde aqui, violentamente, aos que somente falam de reivindicações econômicas sem nomear jamais as reivindicações culturais que é o que os povos pedem a gritos. Bem está que todos os homens comam, porém que todos os homens saibam. Que gozem todos os frutos do espírito humano porque o contrário é convertê-los em máquinas ao serviço do Estado, é convertê-los em escravos de uma terrível organização social.

Eu tenho muito mais pena de um homem que quer saber e não pode, do que de um faminto. Porque um faminto pode acalmar sua fome facilmente com um pedaço de pão ou com umas frutas, porém um homem que tem ânsia de saber e não tem meios sofre uma terrível agonia por que são livros, livros, muitos livros de que necessita e onde estão esses livros?

Livros! Livros! Eis aqui uma palavra mágica que equivale a dizer: “amor, amor”, e que deviam os povos pedir como pedem pão ou como clamam a chuva para as suas sementeiras. Quando o insigne escritor russo Feodor Dostoievsky, pai da revolução russa muito mais que Lenin, estava prisioneiro na Sibéria, distante do mundo, entre quatro paredes e cercado por desoladas planícies de neve infinita; e pedia socorro na carta a sua distante família, só dizia: “enviem-me livros, livros, muitos livros para que minha alma não morra!”. Tinha frio e não pedia fogo, tinha terrível sede e não pedia água: pedia livros, quer dizer, horizontes, quer dizer, escadas para subir ao cume do espírito e do coração. Porque a agonia física, biológica, natural, de um corpo por fome, sede ou frio, dura pouco, muito pouco, porém a agonia da alma insatisfeita dura toda a vida.

Já tem dito o grande Menéndez Pidal, um dos sábios mais verdadeiros da Europa, que a alma da república deve ser: “Cultura”. Cultura porque só através dela se podem resolver os problemas com que hoje se debate o povo cheio de fé, porém vazio de luz.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Meu destino


Nas palmas de tuas mãos
leio as linhas da minha vida.
Linhas cruzadas, sinuosas,
interferindo no teu destino.
Não te procurei, não me procurastes –
íamos sozinhos por estradas diferentes.
Indiferentes, cruzamos
Passavas com o fardo da vida...
Corri ao teu encontro.
Sorri. Falamos.
Esse dia foi marcado
com a pedra branca
da cabeça de um peixe.
E, desde então, caminhamos
juntos pela vida.

Cora Coralina

sábado, 2 de abril de 2011

Ó sino da minha aldeia


Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho,
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.

Fernando Pessoa

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Pausa


"Polisipo, em grego, significa "pausa na dor". Têm sido, estes dias, polisipos. Que os teus também. Muito amor..."


Caio F. Abreu