quinta-feira, 30 de setembro de 2010

"Quem sou eu"


Com uma vitalidade que parecia impossível em sua idade, Úrsula tinha voltado a rejuvenescer a casa."Agora vocês vão ver quem sou eu", disse quando ficou sabendo que seu filho viveria."Não haverá casa melhor, nem mais aberta a todo mundo, do que esta casa de loucos." Fez com que fosse lavada e pintada, mudou os móveis, restaurou o jardim e plantou flores novas, e abriu portas e janelas para que a deslumbrante claridade do verão entrasse até os dormitórios. Determinou o fim dos numerosos lutos superpostos, e ela mesma trocou as velhas roupas vigorosas por outras, juvenis. A música da pianola voltou a alegrar a casa. Ao ouvi-la, Amaranta se lembrou de Pietro Crespi, de sua gardênia crepuscular e seu cheiro de lavanda, e no fundo do seu coração murcho floresceu um rancor limpo, purificado pelo tempo. Na tarde em que tratava de pôr a sala em ordem, Úrsula pediu ajuda aos soldados que custodiavam a casa. O jovem comandante da guarda autorizou. Pouco a pouco, Úrsula foi dando a eles novas tarefas. Convidadava para comer, dava roupas e sapatos de presente, ensinou-os a ler e escrever. Quando o governo suspendeu a vigilância, um deles ficou morando na casa, e ali prestou serviço durante muitos anos. No dia do Ano-Novo, enlouquecido pelos desprezos de Remédios, a Bela, o jovem comandante da guarda amanheceu morto de amor debaixo de sua janela.


Cem anos de solidão, Gabriel García Márquez

quarta-feira, 29 de setembro de 2010


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"Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido."
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(Fernando Pessoa)

Sem arrependimentos


Antes que o levassem ao paredão, o padre Nicanor tratou de dar-lhe assistência. " Não tenho nada do que me arrepender", disse Arcádio, e se colocou às ordens do pelotão depois de tomar uma xícara e café preto. O chefe do pelotão, especialista em execuções sumárias, tinha um nome que era muito mais do que uma casualidade: capitão Roque Carniceiro. A caminho do cemitério, debaixo de uma chuvinha persistente, Arcádio observou que no horizonte despontava uma radiante quarta-feira. A nostalgia se desvanecia com a neblina e deixava em seu lugar uma imensa curiosidade.Só quando mandaram que se pusesse de costas para o muro Arcádio viu Rebeca com os cabelos molhados e um vestido de flores rosadas, abrindo a casa de par em par.Fez um esforço para que o reconhecesse. E assim foi: Rebeca olhou por acaso para o muro e ficou paralisada de estupor, e mal conseguiu reagir ára fazer um gesto de adeus com a mão. Arcádio respondeu da mesma forma. Nesse instante apontaram para ele as bocas fumegantes dos fuzis, e ouviu letra por letra as encíclicas cantadas por Melquíades, e sentiu os passos perdidos de Santa Sofía de la Piedad, virgem, na sala de aula, e experimentou no nariz a mesma dureza de gelo que havia chamado sua atenção nas narinas do cadáver de Remédios. "Ai, caralho! - chegou a pensar- esqueci de dizer que se nascer mulher ponham o nome de Remédios." Então, concentrado num talho dilacerante, tornou a sentir o terror que o atormentou a vida inteira. O capitão deu a ordem de fogo. Arcádio mal teve tempo de inchar o peito e levantar a cabeça, sem compreender de onde fluía o líquido ardente que queimava suas coxas.

- Filhos da puta!-gritou- Viva o partido liberal!



Cem anos de solidão, Gabriel García Márquez

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Se o tempo pudesse voltar dessa vez...


















Acho que só agora eu começo a perceber
Tudo o que você me disse
Pelo menos, o que lembro que aprendi com você
Está realmente certo
Bem mais certo do que eu queria acreditar

Você gosta mesmo de mim
Se arriscando a me perder assim
Ao me explicar o que eu não quero ouvir

Ainda não estou pronto pra saber a verdade
Ou não estava até uma estação atrás

Acho que só agora eu começo a ver
Que tudo que você me disse
É o que você gostaria que tivessem dito pra você

Se o tempo pudesse voltar dessa vez...

Sou eu mesmo e serei eu mesmo, então
E não há nada de errado comigo, não
Não, não, não

Não preciso de modelos
Não preciso de heróis
Eu tenho meus amigos
E quando a vida dói,
Eu tento me concentrar num caminho fácil

Sou eu mesmo e serei eu mesmo, então
E eu queria que o tempo
Pudesse voltar dessa vez



Comédia Romântica, Legião Urbana

Perfil


"A verdade é que ninguém - nem o próprio Gabriel García Márquez - parece capaz de lembrar o dia, a semana ou o mês em que foi escrita a primeira frase de Cem anos de solidão. Tudo que se sabe é que foi numa terça-feira de 1965. E que o mais provável é que tenha acontecido entre o final de junho e o começo de agosto.

É certo, porém, que aconteceu na Cidade do México, na rua Loma, número 19, em San Angel Inn, um bairro de classe média que na época era relativamente novo. A casa de tijolos aparentes tinha janelões que se abriam para terrenos descampados e mostravam, muito ao longe, o perfil da serra. Havia um jardim gramado na frente e um pequeno quintal com dois freixos - árvores frondosas e de madeira resistente, como resistentes seriam o autor e principalmente sua mulher, Mercedes, ao longo dos intensos e alucinados meses consumidos até que o livro ficasse pronto.

Quando escreveu a primeira frase de Cem anos de solidão Gabriel García Márquez tinha 37 anos de idade. Havia chegado na Cidade do México quatro anos antes- no entardecer do domingo, dois de julho de 1961. Saía, com Mercedes e o filho Rodrigo, de uma agitada temporada em Nova York, onde tinha sido correspondente da agência cubana de notícias Prensa Latina. Viajou de ônibus, atravessando os Estados Unidos e prestando especial atenção às paisagens do sul, o mundo misterioso e dramático de um de seus mestres, William Faulkner.

Levava pouco mais de duzentos dólares no bolso, nenhum vislumbre de emprego ou trabalho, a determinação de se transformar em roteirista de cinema e a vontade de se estabelecer de vez como escritor.

No dia seguinte ficou sabendo que, no amanhecer da véspera e enquanto percorriam o último trecho da viagem exaustiva, Ernest Hemingway, outro de seus mestres, havia se matado. E foi sobre Hemingway que ele escreveu seu primeiro texto em terras mexicanas, Um homem morreu de morte natural, que Fernando Benítez, 0 mítico diretor do suplemento cultural "México en la Cultura", do jornal Novedades, publicou em destaque.

Entre o dia da chegada e o amanhecer da terça-feira incerta em que se sentou diante da pequena Olivetti portátil e começou a primeira frase do livro que mudaria sua vida, mexeria com as vidas de milhões de leitores em todo o mundo e daria novos rumos à literatura latino-americana, a existência de Gabriel García Márquez no México navegou ao sabor de ventos variados."


O autor que não conheci, Eric Nepomuceno.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

O amor é uma peste


Convocados para a sala de visitas para uma conversa formal, José Arcádio Buendía ficou rubro de indignação. "O amor é uma peste", trovejou. "Com tantas moças bonitas e decentes, a única coisa que lhe passa pela cabeça é casar com a filha do inimigo." (...) Vencido pelo entusiamo da mulher, José Acárdio Buendía impôs então uma condição: Rebeca, que era a correspondida, se casaria com Pietro Crespi. Úrsula levaria Amaranta para uma viagem à capital da província, quando tivesse tempo, para que o contato com gente diferente a aliviasse da desilusão. Rebeca recobrou a saúde assim que ficou sabendo do acordo, e escreveu ao noivo uma carta jubilosa que submeteu à aprovação dos pais e pôs no correio sem utilizar intermediários. Amaranta fingiu aceitar a decisão e pouco a pouco restabeleceu-se das febres, mas prometeu a si mesma que Rebeca só se casaria com Pietro Crespi passando por cima do seu cadáver.
(...) O italiano, cuja cabeça coberta de cachos brilhantes suscitava nas mulheres uma irrepremível necessidade de suspirar, tratou Amaranta como uma menininha caprichosa que não valia a pena levar muito a sério.
(...) Amaranta sentiu-se humilhada e disse a Pietro Crespi, com um rancor virulento, que estava disposta a impedir o casamento da irmã mesmo que para isso tivesse que atravessar o seu próprio cadáver na porta. O italiano impressionou-se tanto com o dramatismo da ameaça, que não resistiu à tentação e comentou com Rebeca. Foi assim que a viagem de Amaranta (...) foi arranjada em uma semana. Amaranta não opôs resistência, mas quando deu em Rebeca o beijo de despedida, sussurrou ao seu ouvido:
- Não se iluda. Podem me levar até o fim do mundo, que vou dar um jeito de impedir seu casamento, nem que precise matar você.


Trechos de Cem Anos de Solidão, de Gabriel García Márquez

A solidão da América Latina


"Em cada linha que escrevo, trato sempre, com maior ou menos fortuna, de invocar os espirítos esquivos da poesia, e trato de deixar em cada palavra o testemunho de minha devoção pelas suas virtudes de adivinhação e pela sua permanente vitória contra os surdos poderes da morte. Entendo que o prêmio que acabo de receber, com toda humildade, é a consoladora revelação de que meu intento não foi em vão. É por isso que convido a todos a brindar por aquilo que um grande poeta das nossas Américas, Luis Cardoza y Aragón, definiu como a única prova concreta da existência do homem: a poesia.
Muito obrigado."


Parte final do discurso de Gabriel García Marquez ao receber o Prêmio Nobel de Literatura.

Luiza

Por ela é que eu faço bonito
Por ela é que eu faço o palhaço
Por ela é que eu saio do tom
E me esqueço no tempo e no espaço
Quase levito
Faço sonhos de crepom

E quando ela está nos meus braços
As tristezas parecem banais
O meu coração aos pedaços
Se remenda prum número a mais

Por ela é que o show continua
Eu faço careta e trapaça
E pra ela que eu faço cartaz
É por ela que espanto de casa
As sombras da rua
Faço a lua
Faço a brisa
Pra Luiza dormir em paz


Luiza. Toquinho.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Depois do amor




"Eu te proponho
Nós nos amarmos
Nos entregarmos
Neste momento
Tudo lá fora deixar ficar
Eu te proponho
Te dar meu corpo
Depois do amor
O meu conforto
E além de tudo
Depois de tudo
Te dar a minha paz
Eu te proponho
Na madrugada
Você cansada
Te dar meu braço
No meu abraço
Fazer você dormir
Eu te proponho
Não dizer nada
Seguirmos juntos
A mesma estrada
Que continua
Depois do amor
No amanhecer
Eu te proponho
Te dar meu corpo
Depois do amor
O meu conforto
E além de tudo
Depois de tudo
Te dar a minha paz
Eu te proponho
Na madrugada
Você cansada
Te dar meu braço
No meu abraço
Fazer você dormir
Eu te proponho
Não dizer nada
Seguirmos juntos
A mesma estrada
Que continua
Depois do amor
No amanhecer"

Proposta, Roberto Carlos

O coração.



"Pois que ele era uma pessoa e ela outra, descobriu de repente, afastando as cortinas. E eu que quis fazer de mim algo tão claro como um rio sem profundidade, disse para si mesma, em distração colocando em movimento os átomos de poeira. Curvou-se até o chão para apanhar um grampo. Quando se curvava assim, o cabelo caindo no rosto, assumia um ar humilde de coisa grande que se curva. Ela era toda grande, de mãos e pés e olhos e busto, mas um grande que não se impunha, não feria. Um grande que pousava como quem já vai embora. Ela parecia levantar vôo, no surpreendente de que ao elevar-se não deslocasse o ar em torno nem provocasse ventania. Até mesmo seu coração era grande. Era coração, aquele escondido pedaço de ser onde fica guardado o que se sente e o que se pensa sobre as pessoas das quais se gosta? Devia ser. Para tornar mais fácil o desenrolar do pensamento, ela concordava. E argumentava de si para si, lembrando músicas e poetas vagamente vulgares que falavam em coração: pois se alguém fazia uma música ou um poema forçosamente devia ser mais inteligente do que ela, que nunca fizera nada. Alguém mais inteligente certamente saberia o lugar exato onde ficam guardadas essas coisas. Coração, então, repetiu para si, consumando a descoberta."


Trecho do conto "Coração de Alzira", de Caio Fernando Abreu. In INVENTÁRIO DO IR-REMEDIÁVEL.

Relicário



É uma índia com colar
A tarde linda que não quer se pôr
Dançam as ilhas sobre o mar
Sua cartilha tem o A de que cor?

O que está acontecendo?
O mundo está ao contrário e ninguém reparou
O que está acontecendo?
Eu estava em paz quando você chegou

E são dois cílios em pleno ar
Atrás do filho vem o pai e o avô
Como um gatilho sem disparar
Você invade mais um lugar
Onde eu não vou

O que você está fazendo?
Milhões de vasos sem nenhuma flor
O que você está fazendo?
Um relicário imenso deste amor

Sobe a lua porque longe vai?
Corre o dia tão vertical
O horizonte anuncia com o seu vitral
Que eu trocaria a eternidade por esta noite

Porque está amanhecendo?
Peço o contrario, ver o sol se por
Porque está amanhecendo?
Se não vou beijar seus lábios quando você se for

Quem nesse mundo faz o que há durar
Pura semente dura: o futuro amor
Eu sou a chuva pra você secar
Pelo zunido das suas asas você me falou

O que você está dizendo?
Milhões de frases sem nenhuma cor, ôôôô…
O que você está dizendo?
Um relicário imenso deste amor
O que você está dizendo?

O que você está fazendo?
Por que que está fazendo assim?
…está fazendo assim?


Relicário. Nando Reis.


Ouça na voz de Nando Reis e Cássia Eller, aqui.

Só é possível te amar...


Quer saber quando te olhei na piscina
se apoiando com as mãos na borda
fervendo a água que não era tão fria
e um azulejo se partiu
porque a porta do nosso amor estava se abrindo
e os pés que irão por esse caminho
vão terminar no altar
Eu só queria me casar
com alguém igual a você
E alguém igual não há de ter
então quero mudar de lugar
eu quero estar no lugar
da sala pra te receber
na cor do esmalte que você vai escolher
só para as unhas pintar
quando é que você vai sacar
que o vão que fazem suas mãos
é só porque você não está comigo?
só é possível te amar…

seus pés se espalham em fivela e sandália
e o chão se abre por dois sorrisos
virão guiando o seu corpo que é praia
de um escândalo, charme macio
que cor terá se derreter?
que som os lábios vão morder?
vem me ensinar a falar
vem me ensinar ter você
na minha boca agora mora o teu nome
é a vista que os meus olhos querem ter
sem precisar procurar
nem descansar e adormecer
não quero acreditar que vou gastar desse modo a vida
olhar pro sol, só ver janela e cortina
no meu coração fiz um lar
o meu coração é o teu lar
e de que me adianta tanta mobília
se você não está comigo?
só é possível te amar
ouve os sinos, amor
só é possível te amar
escorre aos litros o amor.

No Recreio. Nando Reis.


 

Quando vier a primavera

Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto.
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.

Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma.

Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.

Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.


(Alberto Caeiro)


Hoje, 23 de setembro, é o início da primavera.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Arrebentação


"Garimpeira da beleza

te achei na beira de você me achar

Me agarra na cintura,

me segura e jura que não vai soltar

E vem me bebendo toda,

me deixando tonta de tanto prazer

Navegando nos meus seios,

mar partindo ao meio, não vou esquecer.
Eu que não sei quase nada do mar

descobri que não sei nada de mim
Clara noite rara nos levando além da arrebentação

Já não tenho medo de saber quem somos na escuridão
Clara noite rara nos levando além da arrebentação

Já não tenho medo de saber quem somos na escuridão
Me agarrei em seus cabelos, sua boca quente pra não me afogar

Tua língua correnteza lambe minhas pernas como faz o mar

E vem me bebendo toda me deixando tonta de tanto prazer

Navegando nos meus seios,

mar partindo ao meio, não vou esquecer
Eu que não sei quase nada do mar descobri que não sei nada de mim"


Eu que não sei quase nada do mar, Ana Carolina e Jorge Vercilo

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Conversa com Deus



"Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços o meu pecado de pensar."


Um sopro de vida. Clarice Lispector

Paraíso


"Siempre imaginé que el Paraíso sería algún tipo de biblioteca."
Jorge Luís Borges

Pura teimosia


"Ana sentia-se animada, com vontade de viver. Sabia que por piores que fossem as coisas que estavam por vir, não podiam ser tão horríveis como as que já tinha sofrido. Esse pensamento dava-lhe uma grande coragem. Ali deitada no chão a olhar para as estrelas, ela se sentia agora tomada por uma resignação que chegava quase a ser indiferença. Tinha dentro de si uma espécie de vazio: sabia que nunca mais teria vontade de rir nem de chorar. Queria viver, isso queria, e em grande parte por causa de Pedrinho, que afinal de contas não tinha pedido a ninguém para vir ao mundo. Mas queria viver também de raiva, de birra. A sorte andava sempre virada contra ela. Pois Ana estava agora decidida a contrariar o destino. Ficara louca de pesar no dia em que deixara Sorocaba para vir morar no Continente. Vezes sem conta tinha chorado de tristeza e de saudade naqueles cafundós. Vivia com o medo no coração, sem nenhuma esperança de dias melhores, sem a menor alegria, trabalhando como uma negra, e passando frio e desconforto... Tudo isso por quê? Porque era a sua sina. Mas uma pessoa pode lutar contra a sorte que tem. Pode e deve. E agora ela tinha enterrado o pai e o irmão e ali estava, sem casa, sem amigos, sem ilusões, sem nada, mas teimando em viver. Sim, era pura teimosia. Chamava-se Ana Terra. Tinha herdado do pai o gênio de mula."

O Continente, Érico Veríssimo

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Sem sentimentalismos

Ao amanhecer, depois de um conselho de guerra sumário, Arcadio foi fuzilado contra o muro do cemitério. Nas duas últimas horas de sua vida, não conseguiu compreender por que havia desaparecido o medo que o artomentara desde a infância. Impassível, sem se preocupar sequer em demonstrar a sua recente coragem, escutou as intermináveis culpas de acusação. Pensava em Úrsula, que a essa hora devia estar debaixo do castanheiro tomando café com José Arcadio Buendía. Pensava na sua filha de oito meses, que ainda não tinha nome, e no que ia nascer em agosto. Pensava em Santa Sofía de la Piedad, a quem na noite anterior deixara salgando um veado para o almoço de sábado, e sentiu saudade de seu cabelo caído nos ombros e das suas pestanas que pareciam artificiais. Pensava na sua gente, sem sentimentalismos, num severo ajuste de contas com a vida, começando a compreender quanto amava na realidade as pessoas que mais odiara. [...] Na escola arrebentada onde experimentou pela primeira vez a segurança do poder, a poucos metros do quarto onde conheceu a incerteza do amor, Arcadio achou ridículo o formalismo da morte. Realmente não se importava com a morte, e sim com a vida, por isso a sensação que experimentou quando pronunciaram a sentença não foi uma sensação de medo, mas de nostalgia.

Trecho de Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez.
A Terceira Margem do Rio
Guimarães Rosa
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Nosso pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo; e sido assim desde mocinho e menino, pelo que testemunharam as diversas sensatas pessoas, quando indaguei a informação. Do que eu mesmo me alembro, ele não figurava mais estúrdio nem mais triste do que os outros, conhecidos nossos. Só quieto. Nossa mãe era quem regia, e que ralhava no diário com a gente — minha irmã, meu irmão e eu. Mas se deu que, certo dia, nosso pai mandou fazer para si uma canoa.

Era a sério. Encomendou a canoa especial, de pau de vinhático, pequena, mal com a tabuinha da popa, como para caber justo o remador. Mas teve de ser toda fabricada, escolhida forte e arqueada em rijo, própria para dever durar na água por uns vinte ou trinta anos. Nossa mãe jurou muito contra a idéia. Seria que, ele, que nessas artes não vadiava, se ia propor agora para pescarias e caçadas? Nosso pai nada não dizia. Nossa casa, no tempo, ainda era mais próxima do rio, obra de nem quarto de légua: o rio por aí se estendendo grande, fundo, calado que sempre. Largo, de não se poder ver a forma da outra beira. E esquecer não posso, do dia em que a canoa ficou pronta.

Sem alegria nem cuidado, nosso pai encalcou o chapéu e decidiu um adeus para a gente. Nem falou outras palavras, não pegou matula e trouxa, não fez a alguma recomendação. Nossa mãe, a gente achou que ela ia esbravejar, mas persistiu somente alva de pálida, mascou o beiço e bramou: — "Cê vai, ocê fique, você nunca volte!" Nosso pai suspendeu a resposta. Espiou manso para mim, me acenando de vir também, por uns passos. Temi a ira de nossa mãe, mas obedeci, de vez de jeito. O rumo daquilo me animava, chega que um propósito perguntei: — "Pai, o senhor me leva junto, nessa sua canoa?" Ele só retornou o olhar em mim, e me botou a bênção, com gesto me mandando para trás. Fiz que vim, mas ainda virei, na grota do mato, para saber. Nosso pai entrou na canoa e desamarrou, pelo remar. E a canoa saiu se indo — a sombra dela por igual, feito um jacaré, comprida longa.

Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa verdade deu para estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia, acontecia. Os parentes, vizinhos e conhecidos nossos, se reuniram, tomaram juntamente conselho.

Nossa mãe, vergonhosa, se portou com muita cordura; por isso, todos pensaram de nosso pai a razão em que não queriam falar: doideira. Só uns achavam o entanto de poder também ser pagamento de promessa; ou que, nosso pai, quem sabe, por escrúpulo de estar com alguma feia doença, que seja, a lepra, se desertava para outra sina de existir, perto e longe de sua família dele. As vozes das notícias se dando pelas certas pessoas — passadores, moradores das beiras, até do afastado da outra banda — descrevendo que nosso pai nunca se surgia a tomar terra, em ponto nem canto, de dia nem de noite, da forma como cursava no rio, solto solitariamente. Então, pois, nossa mãe e os aparentados nossos, assentaram: que o mantimento que tivesse, ocultado na canoa, se gastava; e, ele, ou desembarcava e viajava s'embora, para jamais, o que ao menos se condizia mais correto, ou se arrependia, por uma vez, para casa.

No que num engano. Eu mesmo cumpria de trazer para ele, cada dia, um tanto de comida furtada: a idéia que senti, logo na primeira noite, quando o pessoal nosso experimentou de acender fogueiras em beirada do rio, enquanto que, no alumiado delas, se rezava e se chamava. Depois, no seguinte, apareci, com rapadura, broa de pão, cacho de bananas. Enxerguei nosso pai, no enfim de uma hora, tão custosa para sobrevir: só assim, ele no ao-longe, sentado no fundo da canoa, suspendida no liso do rio. Me viu, não remou para cá, não fez sinal. Mostrei o de comer, depositei num oco de pedra do barranco, a salvo de bicho mexer e a seco de chuva e orvalho. Isso, que fiz, e refiz, sempre, tempos a fora. Surpresa que mais tarde tive: que nossa mãe sabia desse meu encargo, só se encobrindo de não saber; ela mesma deixava, facilitado, sobra de coisas, para o meu conseguir. Nossa mãe muito não se demonstrava.

Mandou vir o tio nosso, irmão dela, para auxiliar na fazenda e nos negócios. Mandou vir o mestre, para nós, os meninos. Incumbiu ao padre que um dia se revestisse, em praia de margem, para esconjurar e clamar a nosso pai o dever de desistir da tristonha teima. De outra, por arranjo dela, para medo, vieram os dois soldados. Tudo o que não valeu de nada. Nosso pai passava ao largo, avistado ou diluso, cruzando na canoa, sem deixar ninguém se chegar à pega ou à fala. Mesmo quando foi, não faz muito, dos homens do jornal, que trouxeram a lancha e tencionavam tirar retrato dele, não venceram: nosso pai se desaparecia para a outra banda, aproava a canoa no brejão, de léguas, que há, por entre juncos e mato, e só ele conhecesse, a palmos, a escuridão, daquele.

A gente teve de se acostumar com aquilo. Às penas, que, com aquilo, a gente mesmo nunca se acostumou, em si, na verdade. Tiro por mim, que, no que queria, e no que não queria, só com nosso pai me achava: assunto que jogava para trás meus pensamentos. O severo que era, de não se entender, de maneira nenhuma, como ele agüentava. De dia e de noite, com sol ou aguaceiros, calor, sereno, e nas friagens terríveis de meio-do-ano, sem arrumo, só com o chapéu velho na cabeça, por todas as semanas, e meses, e os anos — sem fazer conta do se-ir do viver. Não pojava em nenhuma das duas beiras, nem nas ilhas e croas do rio, não pisou mais em chão nem capim. Por certo, ao menos, que, para dormir seu tanto, ele fizesse amarração da canoa, em alguma ponta-de-ilha, no esconso. Mas não armava um foguinho em praia, nem dispunha de sua luz feita, nunca mais riscou um fósforo. O que consumia de comer, era só um quase; mesmo do que a gente depositava, no entre as raízes da gameleira, ou na lapinha de pedra do barranco, ele recolhia pouco, nem o bastável. Não adoecia? E a constante força dos braços, para ter tento na canoa, resistido, mesmo na demasia das enchentes, no subimento, aí quando no lanço da correnteza enorme do rio tudo rola o perigoso, aqueles corpos de bichos mortos e paus-de-árvore descendo — de espanto de esbarro. E nunca falou mais palavra, com pessoa alguma. Nós, também, não falávamos mais nele. Só se pensava. Não, de nosso pai não se podia ter esquecimento; e, se, por um pouco, a gente fazia que esquecia, era só para se despertar de novo, de repente, com a memória, no passo de outros sobressaltos.

Minha irmã se casou; nossa mãe não quis festa. A gente imaginava nele, quando se comia uma comida mais gostosa; assim como, no gasalhado da noite, no desamparo dessas noites de muita chuva, fria, forte, nosso pai só com a mão e uma cabaça para ir esvaziando a canoa da água do temporal. Às vezes, algum conhecido nosso achava que eu ia ficando mais parecido com nosso pai. Mas eu sabia que ele agora virara cabeludo, barbudo, de unhas grandes, mal e magro, ficado preto de sol e dos pêlos, com o aspecto de bicho, conforme quase nu, mesmo dispondo das peças de roupas que a gente de tempos em tempos fornecia.

Nem queria saber de nós; não tinha afeto? Mas, por afeto mesmo, de respeito, sempre que às vezes me louvavam, por causa de algum meu bom procedimento, eu falava: — "Foi pai que um dia me ensinou a fazer assim..."; o que não era o certo, exato; mas, que era mentira por verdade. Sendo que, se ele não se lembrava mais, nem queria saber da gente, por que, então, não subia ou descia o rio, para outras paragens, longe, no não-encontrável? Só ele soubesse. Mas minha irmã teve menino, ela mesma entestou que queria mostrar para ele o neto. Viemos, todos, no barranco, foi num dia bonito, minha irmã de vestido branco, que tinha sido o do casamento, ela erguia nos braços a criancinha, o marido dela segurou, para defender os dois, o guarda-sol. A gente chamou, esperou. Nosso pai não apareceu. Minha irmã chorou, nós todos aí choramos, abraçados.

Minha irmã se mudou, com o marido, para longe daqui. Meu irmão resolveu e se foi, para uma cidade. Os tempos mudavam, no devagar depressa dos tempos. Nossa mãe terminou indo também, de uma vez, residir com minha irmã, ela estava envelhecida. Eu fiquei aqui, de resto. Eu nunca podia querer me casar. Eu permaneci, com as bagagens da vida. Nosso pai carecia de mim, eu sei — na vagação, no rio, no ermo — sem dar razão de seu feito. Seja que, quando eu quis mesmo saber, e firme indaguei, me diz-que-disseram: que constava que nosso pai, alguma vez, tivesse revelado a explicação, ao homem que para ele aprontara a canoa. Mas, agora, esse homem já tinha morrido, ninguém soubesse, fizesse recordação, de nada mais. Só as falsas conversas, sem senso, como por ocasião, no começo, na vinda das primeiras cheias do rio, com chuvas que não estiavam, todos temeram o fim-do-mundo, diziam: que nosso pai fosse o avisado que nem Noé, que, por tanto, a canoa ele tinha antecipado; pois agora me entrelembro. Meu pai, eu não podia malsinar. E apontavam já em mim uns primeiros cabelos brancos.

Sou homem de tristes palavras. De que era que eu tinha tanta, tanta culpa? Se o meu pai, sempre fazendo ausência: e o rio-rio-rio, o rio — pondo perpétuo. Eu sofria já o começo de velhice — esta vida era só o demoramento. Eu mesmo tinha achaques, ânsias, cá de baixo, cansaços, perrenguice de reumatismo. E ele? Por quê? Devia de padecer demais. De tão idoso, não ia, mais dia menos dia, fraquejar do vigor, deixar que a canoa emborcasse, ou que bubuiasse sem pulso, na levada do rio, para se despenhar horas abaixo, em tororoma e no tombo da cachoeira, brava, com o fervimento e morte. Apertava o coração. Ele estava lá, sem a minha tranqüilidade. Sou o culpado do que nem sei, de dor em aberto, no meu foro. Soubesse — se as coisas fossem outras. E fui tomando idéia.

Sem fazer véspera. Sou doido? Não. Na nossa casa, a palavra doido não se falava, nunca mais se falou, os anos todos, não se condenava ninguém de doido. Ninguém é doido. Ou, então, todos. Só fiz, que fui lá. Com um lenço, para o aceno ser mais. Eu estava muito no meu sentido. Esperei. Ao por fim, ele apareceu, aí e lá, o vulto. Estava ali, sentado à popa. Estava ali, de grito. Chamei, umas quantas vezes. E falei, o que me urgia, jurado e declarado, tive que reforçar a voz: — "Pai, o senhor está velho, já fez o seu tanto... Agora, o senhor vem, não carece mais... O senhor vem, e eu, agora mesmo, quando que seja, a ambas vontades, eu tomo o seu lugar, do senhor, na canoa!..." E, assim dizendo, meu coração bateu no compasso do mais certo.

Ele me escutou. Ficou em pé. Manejou remo n'água, proava para cá, concordado. E eu tremi, profundo, de repente: porque, antes, ele tinha levantado o braço e feito um saudar de gesto — o primeiro, depois de tamanhos anos decorridos! E eu não podia... Por pavor, arrepiados os cabelos, corri, fugi, me tirei de lá, num procedimento desatinado. Porquanto que ele me pareceu vir: da parte de além. E estou pedindo, pedindo, pedindo um perdão.

Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então, ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me depositem também numa canoinha de nada, nessa água que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — o rio.

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A terceira margem do rio, extraído do livro Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa

domingo, 19 de setembro de 2010

Vai passar


Metâmeros

Vai passar, tu sabes que vai passar.
Talvez não amanhã, mas dentro de uma semana,
Um mês ou dois, quem sabe?
O verão está aí, haverá sol quase todos os dias,
e sempre resta essa coisa chamada"impulso vital".
Pois esse impulso às vezes cruel,
Porque não permite que nenhuma dor insista por muito tempo,
Te empurrará quem sabe para o sol, para o mar,
Para uma nova estrada qualquer e, de repente,
No meio de uma frase ou de um movimento
Te surpreenderás pensando algo assim como
"estou contente outra vez... "
(Caio Fernando Abreu)

José Arcádio Buendía era Cientista e Poeta


“José Aracádio Buendía, cuja desatada imaginação ia sempre mais longe que o engenho da natureza, e até mesmo além do milagre e da magia...”

“José Arcadio Buendía nem sequer tentou consolá-la, entregue que estava por nteiro às suas experiencias táticas, com abnegação de um cientista e até mesmo com o risco da própria vida.”

“Quando se tornou um perito no uso e manejo dos seus instrumentos, passou a ter uma noção do espaço que lhe permitiu navegar or mares icógnitos, visitar territórios desabitados e travar relações com seres esplendidos, sem necessidade de abandonar seu gabinete... De repente, sem anúnio prévio, a sua atividade febril se interrompeu e foi substituída por uma espécie de fascinação.”

...devastado pela prolongada vigília e pela pertinácia de sua imaginação, e revelou a eles a sua descoberta: - A terra é redonda como uma laranja.”

Trechos de Cem anos de solidão


Mais do que um abnegado cientista, José Arcádio Buendía tinha também a alma de poeta! E o que seria da ciência se não fossem os loucos e visionários, aqueles que não tinham medo da imaginação!

Cientistas e Poetas


"Sem me ater a pormenores, permito-me acentuar que ambos, economista e poeta, se confundem no mesmo anseio de conhecer, são sacerdotes da mesma religião e daquela “alegria de compreender” de que o gênio de Leonardo da Vinci dizia ser “o mais nobre dos prazeres”. Um, para a sublime exaltação do espírito, se desvelará com as chamas que ardem na seara poética. O outro se empolgará com as frias abstrações dos números e das estatísticas, emprestando-lhes, com a mesma inquietação, o calor de sua paixão de cientista.

O poeta não tem, como o homem de ciência, o oficio de pensar o mundo, mas o de repensá-lo, em moldes de um lirismo ideal e sonhador. O cientista é mais humilde e objetivo. Aceita a estrutura das coisas e procura conhecê-las para torná-las mais accessíveis ao pragmatismo das formas de convivência social. A missão de um é repensar criticamente uma realidade, cujo sentido derradeiro a linguagem e a sintaxe comuns são incapazes de traduzir. O outro, o cientista, habituado às flutuações de todas as relatividades, contenta-se com isolar determinados fragmentos dessa realidade cambiante e esquiva, para que possa o homem, compreendendo-os, extrair deles elementos que lhe tornem menos áspera a vida e menos opressivo o seu sentimento de desamparo no mundo.

Um e outro, porém, prisioneiros da vida, aspiram ao conhecimento puro. Um e outro indagarão dos seus mistérios e do sentido da história. As respostas que oferecem diferem qualitativamente, mas não em sua substância. O poeta dirá de seu universo povoado de criações metafísicas, onde o homem se pode perder, porque a luz de sua razão lógica é pequena demais para devassar as sombras absorventes do cosmos. O cientista aludirá também à fragilidade do destino humano, às suas perplexidades diante de tantos problemas que lhe excitam a inteligência. Mas a sua mensagem será tocada daquela ânsia de conhecer, que não abandona o homem. O Homem, que, no conceito do filósofo, sabe ser a vida uma litania de memento mori, mas sente também, para que haja vida, a necessidade de enfrentar os impassíveis desafios do destino”

Roberto Simonsen