terça-feira, 31 de agosto de 2010

Venha conhecer a vida

Boas vindas

Sua mãe e eu
Seu irmão e eu
E a mãe do seu irmão
Minha mãe e eu
Meus irmãos e eu
E os pais da sua mãe
E a irmã da sua mãe

Lhe damos as boas vindas
Boas vindas, boas vindas
Venha conhecer a vida
Eu digo que ela é gostosa
Tem o sol e tem a lua
Tem o medo e tem a rosa
Eu digo que ela é gostosa
Tem a noite e tem o dia
A poesia e tem a prosa
Eu digo que ela é gostosa
Tem a morte e tem o amor
E tem o mote e tem a glosa
Eu digo que ela é gostosa
Eu digo que ela é gostosa

Sua mãe e eu
Seu irmão e eu
E o irmão da sua mãe
.
(Caetano Veloso)
.
OUÇAM AQUI!

Naquela mesa



Naquela mesa ele sentava sempre

E me dizia sempre o que é viver melhor

Naquela mesa ele contava histórias

Que hoje na memória eu guardo e sei de cor

Naquela mesa ele juntava gente

E contava contente o que fez de manhã

E nos seus olhos era tanto brilho

Que mais que seu filho

Eu fiquei seu fã


Eu não sabia que doía tanto

Uma mesa num canto, uma casa e um jardim

Se eu soubesse o quanto dói a vida

Essa dor tão doída, não doía assim

Agora resta uma mesa na sala

E hoje ninguém mais fala do seu bandolim

Naquela mesa tá faltando ele

E a saudade dele tá doendo em mim.




Letra de Sérgio Bittencourt em homenagem a seu pai Jacob do Bandolim

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

A descoberta

Lembro com muito gosto o modo como ela se referia a ele. Pelo menos ela o fez uma vez e isso ficou marcado muito fundo, dizendo: Caetano, venha ver o preto que você gosta. Isso de dizer "o preto", sorrindo ternamente como ela o fazia, o fez, tinha, teve, tem um sabor esquisito, que intensificava o encanto da arte e da personalidade do moço no vídeo. Era como se se somasse àquilo que eu via e ouvia uma outra graça, ou como se a confirmação da realidade daquela pessoa, dando-se assim na forma de uma bênção, adensasse sua beleza. Eu sentia alegria por Gil existir, por ele ser preto, por ele ser ele, e por minha mãe saudar tudo isso de forma tão direta e tão transcendente. Era evidentemente um grande acontecimento a aparição dessa pessoa, e minha mãe festejava comigo a descoberta.
Trecho do livro Verdade Tropical, de Caetano Veloso.

Luiza


Rua,
Espada nua.
Boia no céu imensa e amarela
Tão redonda a lua...
Como flutua!
Vem navegando o azul do firmamento
E no silêncio lento,
Um trovador cheio de estrelas...
Escuta agora a canção que eu fiz
Pra te esquecer, Luiza.
Eu sou apenas um pobre amador
Apaixonado,
Um aprendiz do teu amor...
Acorda, amor!
Que eu sei que embaixo desta neve mora um coração...

Vem cá, Luiza,
Me dá tua mão...
O teu desejo é sempre o meu desejo,
Vem, me exorciza!
Dá-me tua boca
E a rosa louca...
Vem me dar um beijo!
E um raio de sol
Nos teus cabelos,
Como um brilhante que partindo a luz
Explode em sete cores
Revelando, então, os sete mil amores
Que eu guardei somente pra te dar, Luiza...


Antônio Carlos Jobim

Tudo o mais é Nada


"Ah, vem, vivamos mais que a Vida, vem,
antes que em Pó nos deponham também;
Pó sobre pó, e sob o Pó, pousados,
sem Cor, sem Sol, sem Som, sem Sonho - sem


Inferno ou Céu, do beco sem saída
Uma só coisa é certa: voa a Vida,
E, sem a Vida, tudo o mais é Nada.
A Flor que for logo se vai, flor ida"


Irmãos Campos

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Cada dia é uma vida...


“Era ela que se julgava o sol, disse levantando um dedo. A esse papel, e não a ele, ela amava. Porque lhe dava a ilusão de poder tudo.”
“Há o cavalo do corpo e o cavalo do tempo, correndo sobre um campo. Mas cada dia é uma vida, e eu não conto os dias.”
“Parar o sol. Os cavalos do sol. Segurar-lhes as rédeas, com mão firme. Saindo-lhes de repente ao caminho.”

O Cavalo de Sol, de Teolinda Gersão.

Uns versos


Sou sua noite, sou seu quarto
Se você quiser dormir.
Eu me despeço,
Eu em pedaços
Como um silêncio ao contrário.
Enquanto espero,
Escrevo uns versos
Depois rasgo...

Sou seu fado, sou seu bardo.
Se você quiser ouvir,
O seu eunuco, o seu soprano...
Um seu arauto.
Eu sou o sol da sua noite em claro,
Um rádio...
Eu sou pelo avesso sua pele,
O seu casaco.

Se você vai sair...
O seu asfalto
Se você vai sair...
Eu chovo
Sobre o seu cabelo pelo seu itinerário.
Sou eu o seu paradeiro
Em uns versos que eu escrevo,
Depois rasgo.


Adriana Calcanhoto

Importuna razão


" Importuna Razão, não me persigas;

Cesse a ríspida voz que em vão murmura;

Se lei de Amor, se a força da ternura

Nem domas, nem contrastas, nem mitigas.


Se acusas os mortais, e os não obrigas,

Se (conhecendo o mal) não dás a cura,

Deixa-me apreciar minha loucura,

Importuna Razão, não me persigas.


É teu fim, teu projeto encher de pejo

Esta alma, frágil vítima daquela

Que, injusta e vária, noutros laços vejo.


Queres que fuja de Marília bela,

Que a maldiga, a desdenhe; e o meu desejo

É carpir, delirar, morrer por ela."


Barbosa du Bocage



Alma brasileira

Jack Soul Brasileiro
Jack Soul Brasileiro
E que o som do pandeiro
É certeiro e tem direção
Já que subi nesse ringue
E o país do swing
É o país da contradição

Eu canto pro rei da levada
Na lei da embolada
Na língua da percussão
A dança mugango dengo
A ginga do mamolengo
O charme dessa nação

Quem foi que fez o samba embolar?
Quem foi que fez o coco sambar?
Quem foi que fez a ema gemer na boa?
Quem foi que fez do coco um cocar?
Quem foi que deixou um oco no lugar?
Quem foi que fez do sapo cantor de lagoa?

E diz aí Tião!
Tião! Oi!
Foste? Fui!
Compraste? Comprei!
Pagaste? Paguei!
Me diz quanto foi?
Foi 500 reais
Me diz quanto foi?
Foi 500 reais

Eu só ponho BEBOP no meu samba
Quando o tio Sam
Pegar no tamborim
Quando ele pegar
No pandeiro e no zabumba
Quando ele entender
Que o samba não é rumba
Aí eu vou misturar
Miami com Copacabana
Chiclete eu misturo com banana
E o meu samba, e o meu samba
Vai ficar assim...

A ema gemeu!

(Lenine)

Ouçam aqui!

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

A peste da insônia

Uma noite, na época em que Rebeca se curou do vício de comer terra e foi levada para dormir no quarto das outras crianças, a índia que dormia com eles acordou por acaso e ouviu um estranho ruído intermitente no canto. Sentou-se alarmada, pensando que tinha entrado algum animal no quarto, e então viu Rebeca na cadeira de balanço, chupando o dedo e com os olhos fosforescentes como os de um gato na escuridão. Pasmada de terror, perseguida pela fatalidade do destino, Visitación reconheceu nesses olhos os sintomas da doença cuja ameaça os havia obrigado, a ela e ao irmão, a se desterrarem para sempre de um reino milenário no qual eram príncipes. Era a peste da insônia.

Trecho de Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez.

Meu paraíso é você





















Meu paraíso é você
E o meu Eldorado também
Minha Paris dos quartiers
E os templos de Jerusalém

Minha Bahia é você
O Rio de Janeiro e Belém
A China Vermelha e o Tibet
E Londres com seu Big Ben

Meu passaporte é você
E minha aeronave também
O meu destino é saber
Detalhes do que você tem

Meu mapa-múndi é você
Meu claro querer viajar
Nos seus roteiros vou ver
A pura beleza de amar



Mais Um Bolero, Adriana Calcanhoto

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Uns pés

"Por uns momentos lá no quarto nós parecíamos dois estranhos que seriam observados por alguém, e este alguém éramos sempre eu e ela, cabendo aos dois ficar de olho no que eu ia fazendo, e não no que ela ia fazendo, por isso eu me sentei na beira da cama e fui tirando calmamente meus sapatos e minhas meias, tomando os pés descalços nas mãos e sentindo-os gostosamente úmidos como se tivessem sido arrancados à terra naquele instante, e me pus em seguida, com propósito certo, a andar pelo assoalho, simulando motivos pequenos pra minha andança no quarto, deixando que a barra da calça tocasse ligeiramente o chão a mesmo tempo que cobria parcialmente meus pés com algum mistério, sabendo que eles, descalços e muito brancos, incorporavam poderosamente minha nudez antecipada, e logo eu ouvia suas inspirações fundas ali junto da cadeira, onde ela quem sabe já se abandonava ao desespero, atrapalhando-se ao tirar a roupa, embaraçando inclusive os dedos na alça que corria pelo braço, e eu, sempre fingindo, sabia que tudo aquilo era verdadeiro, conhecendo, como conhecia, esse seu pesadelo obsessivo por uns pés, e muito especialmente pelos meus, firmes no porte e bem feitos de escultura, um tanto nodosos nos dedos, além de marcados nervosamente no peito por veias e tendões, sem que perdessem contudo o jeito tímido de raiz tenra"

Trecho do livro Um copo de cólera, de Raduan Nassar.

Dentro daqui


"O melhor o tempo esconde, longe, muito longe

Mas bem dentro aqui, quando o bonde dava a volta ali

No cais de Araújo Pinho, tamarindeirinho

Nunca me esqueci onde o imperador fez xixi
Cana doce Santo Amaro, gosto muito raro

Trago em mim por ti, e uma estrela sempre a luzir
Bonde da Trilhos Urbanos vão passando os anos

E eu não te perdi, meu trabalho é te traduzir
Rua da Matriz ao Conde no trole ou no bonde

Tudo é bom de vê, seu Popó do Maculelê
Mas aquela curva aberta, aquela coisa certa

Não dá prá entender o Apolo e o rio Subaé
Pena de Pavão de Krishna, maravilha, vixe Maria

Mãe de Deus, será que esses olhos são meus ?
Cinema transcendental,

Trilhos Urbanos

Gal cantando o Balancê

Como eu sei lembrar de você"


Trilhos Urbanos, Caetano Veloso

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

All You Need Is Love

















O MUSICAL ALL YOU NEED IS LOVE

O Maior Espetáculo Beatle do Mundo!
O sonho não acabou!!!

No dia 18 de setembro, a partir das 21 horas, no Centro de Eventos Unique Palace, próximo à ponte JK.

Se você pudesse voltar no tempo para assistir a apenas um show de rock, qual você escolheria?
Milhões de pessoas tem a mesma resposta: THE BEATLES!

O musical All You Need Is Love traz toda a magia de volta, recriando com perfeição, o que seria um show completo e lendário da maior banda da história! Uma experiência única!
O musical é dividido em três fases: a primeira com os famosos terninhos usados nos tempos de Ed. sullivan show , a segunda com o extravagante figurino da capa do disco Sgt. peppers, e a terceira, já mais hippie, com os cabelos compridos de John, os coletinhos de Paul, os jeans surrados de George e as camisas Flower-Power de Ringo.

Terras, espinhos e montanhas


Poço


"Não me temas, não caias de novo em teu rancor.

Sacode a minha palavra que te veio ferir

e deixa que ela voe pela janela aberta.

Ela voltará a ferir-me sem que tu a dirijas,

porque foi carregada com um instante duro

e esse instante será desarmado em meu peito.

Radiosa me sorrise minha boca fere.

Não sou um pastor doce como em contos de fadas,

mas um lenhador que comparte contigo terras, vento e espinhos das montanhas.

Dá-me amor, me sorrie me ajuda a ser bom.

Não te firas em mim, seria inútil,não me firas a mim porque te feres."


Pablo Neruda

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

O mecanismo do amor

No princípio, o pequeno Aureliano só compreendia o risco, a imensa possibilidade de perigo que implicavam as aventuras de seu irmão, mas não conseguia imaginar a fascinação do objetivo. Pouco a pouco se foi contaminando de ansiedade. Fazia-o contar as minuciosas peripécias, identificava-se com o sofrimento e o gozo do irmão, sentia-se assustado e feliz. Esperava-o acordado até o amanhecer, na cama solitária que parecia ter uma esteira de brasas, e continuavam falando sem sono até a hora de levantar, de modo que em pouco tempo padeceram ambos da mesma sonolência, sentiram o mesmo desprezo pela alquimia e pela sabedoria do pai, e se refugiaram na solidão. [...] Aureliano podia, então, não só entender, mas também viver como coisa própria as experiências de seu irmão, porque numa ocasião em que este explicava com muitos pormenores o mecanismo do amor, interrompeu-o para perguntar: “O que é que se sente?” José Arcadio deu-lhe uma resposta imediata:
– É como um tremor de terra.


Trecho de Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez.

F.


"Eu sabia que não íamos ter muito tempo para nosso diálogo. E era tão bom ter F. ali sentado ao meu lado!Sua presença tem para mim um poder ao mesmo tempo excitante e sedativo. Seu sensualismo deve estar escondido a sete chaves, pois o que lhe aparece nos olhos é uma ternura muito humana e tímida, como que envergonhada de si mesma. Nunca encontrei ninguém que temesse mais que ele as situações grotescas ou ambíguas. F. talvez não saiba, mas descubro nos seus silêncios uma grande eloquência."
Do diário de Sílvia, Érico Veríssimo

Bosque


"Começar a ler foi para mim como entrar num bosque pela primeira vez e encontrar-me, de repente, com todas as árvores, todas as flores, todos os pássaros. Quando fazes isso, o que te deslumbra é o conjunto. Não dizes: gosto dessa árvore mais que as outras. Não, cada livro em que entrava, tomava-o como algo único."


José Saramago

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Macondo

José Arcadio Buendía sonhou essa noite que naquele lugar se levantava uma cidade ruidosa, com casas de paredes de espelhos. Perguntou que cidade era aquela, e lhe responderam com um nome que nunca tinha ouvido, que não possuía significado algum, mas que teve no sonho uma ressonância sobrenatural: Macondo. No dia seguinte, convenceu os seus homens de que nunca encontrariam o mar. Ordenou-lhes derrubar as árvores para fazer uma clareira junto ao rio, no lugar mais fresco das margens, e ali fundaram a aldeia.

Trecho de Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez

"A guerra é feita pelas nossas mãos ..."

Lamento do Oficial por seu Cavalo Morto
Cecília Meireles

Nós merecemos a morte, porque somos humanos
e a guerra é feita pelas nossas mãos,
pela nossa cabeça embrulhada em séculos de sombra,
por nosso sangue estranho e instável, pelas ordens
que trazemos por dentro, e ficam sem explicação.

Criamos o fogo, a velocidade, a nova alquimia,
os cálculos do gesto,
embora sabendo que somos irmãos.
Temos até os átomos por cúmplices, e que pecados
de ciência, pelo mar, pelas nuvens, nos astros!
Que delírio sem Deus, nossa imaginação!

E aqui morreste!

Oh, tua morte é a minha, que, enganada, recebes.
Não te queixas. Não pensas. Não sabes.
Indigno, ver parar, pelo meu, teu inofensivo coração.
Animal encantado - melhor que nós todos!
Que tinhas tu com este mundo dos homens?

Aprendias a vida, plácida e pura, e entrelaçada
em carne e sonho, que os teus olhos decifravam...

Rei das planícies verdes, com rios trêmulos de relinchos...

Como vieste morrer por um que mata seus irmãos!

Retoma


"Deus nos dá pessoas e coisas, para aprendermos a alegria...Depois, retoma coisas e pessoas para ver se já somos capazes da alegria sozinhos...Essa... a alegria que ele quer"


Guimarães Rosa

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Amor barato


Eu queria ser
Um tipo de compositor
Capaz de cantar nosso amor
Modesto

Um tipo de amor
Que é de mendigar cafuné
Que é pobre e às vezes nem é
Honesto

Pechincha de amor
Mas que eu faço tanta questão
Que se tiver precisão
Eu furto

Vem cá, meu amor
Aguenta o teu cantador
Me esquenta porque o cobertor é curto

Mas levo esse amor
Com o zelo de quem leva o andor
Eu velo pelo meu amor
Que sonha

Que enfim, nosso amor
Também pode ter seu valor
Também é um tipo de flor
Que nem outro tipo de flor

Dum tipo que tem
Que não deve nada a ninguém
Que dá mais que maria-sem-vergonha

Eu queria ser
Um tipo de compositor
Capaz de cantar nosso amor
Barato

Um tipo de amor
Que é de esfarrapar e cerzir
Que é de comer e cuspir
No prato

Mas levo esse amor
Com zelo de quem leva o andor
Eu velo pelo meu amor
Que sonha

Que, enfim, nosso amor
Também pode ter seu valor
Também é um tipo de flor
Que nem outro tipo de flor

Dum tipo que tem
Que não deve nada a ninguém
Que dá mais que maria-sem-vergonha

(Francis Hime/Chico Buarque)


Ouçam aqui!

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Uma aldeia feliz


José Arcadio Buendía, que era o homem mais empreendedor que se poderia ver na aldeia, determinara de tal modo a posição das casas, que a partir de cada uma se podia chegar ao rio e se abastecer de água com o mesmo esforço; e traçara as ruas com tanta habilidade que nenhuma casa recebia mais sol que a outra na hora do calor. Dentro de poucos anos, Macondo se tornou uma aldeia mais organizada e laboriosa que qualquer das conhecidas até então pelos seus 300 habitantes. Era na verdade uma aldeia feliz, onde ninguém tinha mais de trinta anos e ninguém ainda havia morrido.

Trecho de Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez.

Viajar


"já vou...será?

eu quero ver, o mundo eu sei não é esse lá.

por onde andar?

eu começo por onde a estrada va

i e não culpo a cidade, o pai.

vou lá andar.

e o que eu vou ver? eu sei lá.
não faz disso esse drama, essa dor!

É que a sorte é preciso tirar pra ter.

perigo é eu me esconder (em você).

e quando eu vou voltar? ah, quem vai saber...

se alguém numa curva me convidar

eu vou lá que andar é reconhecer, olhar.
eu preciso andar um caminho só

vou buscar alguém que eu nem sei quem sou.
eu escrevo e te conto o que eu vi

e me mostro de lá pra você.

guarde um sonho bom pra mim"


Primeiro Andar, Los Hermanos

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Vida


"Depois chegara à conclusão de que ela não tinha um dia a dia mas sim uma vida a vida. E aquela vida que era nas suas madrugadas era sobrenatural"


Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, Clarice Lispector

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Por que você não vem morar comigo?

Por que você não vem morar comigo?
Alimentar meu cão, meu ego
Cansei de ser assim, colega
Não sei mais ser só seu amigo

Eu quero agora ser o seu amado
Você me deixa a perigo
O amor me corta feito adaga
Mas vem você e afaga
Com afeto tão antigo

Você não leva a sério o que eu digo
E enche a taça que me embriaga
Me prega em cruz feito jesus de praga
Mas sempre me defende e compra minhas brigas

Não ligo
Se é amor ou amizade vaga
Dizem que o amor a amizade estraga
E esta a este tira-lhe o vigor

Não ligo
Se é caretice ou romantismo brega
Um dia em mim essa aflição sossega
More comigo e traga o seu amor

Adoro o jeito que você me pega
Me chama de meu nego, minha nega
E quando me abraça e eu me entrego
Vem você e diz cuidado com esse apego

Amigos falam que esse mico eu pago
Pois mudo logo quando você chega
E acende a luz, mas essa luz me cega
E abre em rosa a pedra que no peito trago
(Chico César)
Ouçam aqui!

Apesar de


" uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio pesar que nos empurra pra frente."


Uma aprendizagem ou o livro dos pazeres, Clarice Lispector

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Você fendeu minha alma ...

"Não posso mais ouvir em silêncio. Preciso falar com você pelos meios de que disponho neste momento. Você fendeu minha alma. Sou metade agonia, metade esperança. Não me diga que é tarde demais, que sentimentos tão preciosos foram-se para sempre. Ofereço-me para você de novo com um coração muito mais seu do que quando você quase o despedaçou há oito anos e meio atrás. Não se atreva a dizer que o homem esquece mais rápido do que a mulher, que seu amor morre mais cedo. Eu tenho amado somente você, mais ninguém. "
-
Trecho de Persuasão, de Jane Austen.

Tempero Zen


No íntimo sinto que todo mundo se sente um tanto único.
Sinto que não há qualquer tempero zen que apague essa impressão.
Sem revelar sua emoção, quer se manter no vale mais profundo.
Tentar fazer brilhar nos escuros recantos do seu coração.
Quem não sonha em se ver compreendido e perdoado?
Ver seus erros e tropeços como equívoco explicados?

Paralamas do Sucesso, do álbum "Brasil Afora"

Não passo de um malandro


"Vou mostrando como sou e vou sendo como posso.

Jogando meu corpo no mundo,andando por todos os cantos

e pela lei natural dos encontros,

eu deixo e recebo um tanto.

E passo aos olhos nus ou vestidos de lunetas.

Passado, presente, participo sendo o mistério do planeta.

O tríplice mistério do stop,

que eu passo por e sendo ele no que fica em cada um.

No que sigo o meu caminho e no ar que fez e assistiu.

Abra um parênteses, não esqueça que independente disso

eu não passo de um malandro.

De um moleque do Brasil, que peço e dou esmolas.

Mas ando e penso sempre com mais de um,

por isso ninguém vê minha sacola. "


Mistério do Planeta, Os Novos Baianos

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Despreocupa-se e pensa no essencial

Gerânio

Ela que descobriu o mundo
E sabe vê-lo do ângulo mais bonito
Canta e melhora a vida, descobre sensações diferentes
Sente e vive intensamente

Aprende e continua aprendiz
Ensina muito e reboca os maiores amigos
Faz dança, cozinha, se balança na rede
E adormece em frente à bela vista

Despreocupa-se e pensa no essencial
Dorme e acorda

Conhece a Índia e o Japão e a dança haitiana
Fala inglês e canta em inglês
Escreve diários, pinta lâmpadas, troca pneus
E lava os cabelos com shampoos diferentes

Faz amor e anda de bicicleta dentro de casa
E corre quando quer
Cozinha tudo, costura, já fez boneco de pano
E brinco para a orelha, bolsa de couro, namora e é amiga

Tem computador e rede, rede para dois
Gosta de eletrodomésticos, toca piano e violão
Procura o amor e quer ser mãe, tem lençóis e tem irmãs
Vai ao teatro, mas prefere cinema

Sabe espantar o tédio
Cortar cabelo e nadar no mar
Tédio não passa nem por perto, é infinita, sensível, linda
Estou com saudades e penso tanto em você

Despreocupa-se e pensa no essencial
Dorme e acorda

(Nando Reis, Marisa Monte, Jennifer Gomes)

Ouçam aqui!

Beleza Pura


"Não me amarra dinheiro não

Mas formosura

Dinheiro não

A pele escura

Dinheiro não

A carne dura

Dinheiro não

Moça preta do Curuzu

Beleza pura

Federação

Beleza pura

Boca do Rio

Beleza pura

Dinheiro não

Quando essa preta começa a tratar do cabelo

É de se olhar

Toda a trama da trança

A transa do cabelo

Conchas do mar

Ela manda buscar pra botar no cabelo

Toda minúcia

Toda delícia

Não me amarra dinheiro não

Mas elegância

Não me amarra dinheiro não

Mas a cultura

Dinheiro não

A pele escura

Dinheiro não

A carne dura

Dinheiro não

Moço lindo do Badauê

Beleza pura Do Ilê Aiyê

Beleza pura

Dinheiro yeah

Beleza pura

Dinheiro não

Dentro daquele turbante dos Filhos de Ghandi

É o que há

Tudo é chique demais

Tudo é muito elegante

Manda botar Fina palha da costa e que tudo se trance

Todos os búzios

Todos os ócios

Não me amarra dinheiro não

Mas os mistérios "

Beleza Pura, Caetano Veloso

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Tempestade silenciosa

Então entraram no quarto de José Arcadio Buendía, sacudiram-no com toda a força, gritaram-lhe ao ouvido, puseram um espelho diante das fossas nasais, mas não puderam despertá-lo. Pouco depois, quando o carpinteiro tomava as medidas para o ataúde, viram pela janela que estava caindo uma chuvinha de minúsculas flores amarelas. Caíram por toda a noite sobre o povoado, numa tempestade silenciosa, e cobriram os tetos e taparam as portas, e sufocaram os animais que dormiam ao relento. Tantas flores caíram do céu que as ruas amanheceram atapetadas por uma colcha compacta, e eles tiveram que abrir caminho com pás e ancinhos para que o enterro pudesse passar.


Trecho de Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez

Corcovado

Um cantinho, um violão
Esse amor, uma canção
Pra fazer feliz a quem se ama

Muita calma pra pensar
E ter tempo pra sonhar

Da janela, vê-se o Corcovado
O Redentor, que lindo!

Quero a vida sempre assim
Com você perto de mim
Até o apagar da velha chama

E eu que era triste
Descrente desse mundo
Ao encontrar você, eu conheci
O que é felicidade, meu amor

Tom Jobim

Todos os portos


"A campanha interior terminou com a minha capitulação. Fui conquistada pelos exércitos de Deus. É possível que na minha hinterlândia os soldados do diabo ainda continuem na sua atividade de guerrilhas. Mas o importante é que sou uma terra ocupada por Deus. Todas as praias. Todos os portos. Todas as cidades. Todas as planícies, montanhas, florestas, vales... Isso transformou por completo a minha vida. Acho que posso agora enfrentar com mais coragem as minhas dificuldades e resolver melhor os meus problemas. Já não tenho mais receio das minhas noites nem acho longos nem vazios os meus dias."


Do diário de Sílvia, Érico Veríssimo

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A linda rosa


Pior que o melhor de dois
Melhor do que sofrer depois
Se é isso que me tem ao certo
A moça de sorriso aberto

Ingênua de vestido assusta
Afasta-me do ego imposto
Ouvinte claro, brilho no rosto
Abandonada por falta de gosto

Agora sei não mais reclama
Pois dores são incapazes
E pobres desses rapazes
Que tentam lhe fazer feliz

Escolha feita inconsciente
De coração não mais roubado
Homem feliz, mulher carente
A linda rosa perdeu pro cravo


Ouça na voz de Maria Gadú aqui.

A bossa, a fossa, a nossa grande dor

Saudosismo

Eu, você, nós dois
Já temos um passado, meu amor
Um violão guardado
Aquela flor
E outras mumunhas mais
Eu, você, João
Girando na vitrola sem parar
E o mundo dissonante que nós dois
Tentamos inventar, tentamos inventar
Tentamos inventar, tentamos...

A felicidade, a felicidade
A felicidade, a felicidade


Eu, você, depois
Quarta-feira de cinzas no país
E as notas dissonantes se integraram
Ao som dos imbecis
Sim, você, nós dois
Já temos um passado, meu amor
A bossa, a fossa, a nossa grande dor
Como dois quadradões

Lobo, lobo bobo
Lobo, lobo bobo


Eu, você, João
Girando na vitrola sem parar
E eu fico comovido de lembrar
O tempo e o som
Ah! Como era bom
Mas chega de saudade
A realidade é que
Aprendemos com João
Pra sempre
A ser desafinados
Ser desafinados
Ser desafinados
Ser...

Chega de saudade, chega de saudade

Chega de saudade, chega de saudade

(Caetano Veloso)

Ouçam
aqui na voz do próprio Caetano e aqui na voz de Gal Costa!

Angico



"Enquanto a velha permaneceu à janela, Floriano e eu ficamos calados, quase contentendo a respiração, como duas crianças que não querem ser descobertas pelo dono do pomar onde foram roubar frutas. Depois que a Dinda desapareceu, murmurei : ´Falta um Cambará na tua história.`F. sorriu:` Ah!Esse é o forasteiro. O homem sem passaporte. Sente que amar, compreender e contar com o apoio dessa mulher é algo de essencial para a manutenção de sua identidade e para a sua salvação como artista e como homem. Não sabe ao certo se a ama nem se é amado por ela. Só tem uma certeza que ao mesmo tempo o anima e pertuba: a necessidade desse amor`.
Parti um pêssego pelo meio e dei uma das metadas a F. Pusemo-nos a comer. Era uma comunhão. Um ato de puro amor."

Do diário de Sílvia, Érico Veríssimo

Paciência



Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
A vida não para

Enquanto o tempo
Acelera e pede pressa
Eu me recuso faço hora
Vou na valsa
A vida é tão rara

Enquanto todo mundo
Espera a cura do mal
E a loucura finge
Que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência

O mundo vai girando
Cada vez mais veloz
A gente espera do mundo
E o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência

Será que é tempo
Que lhe falta para perceber?
Será que temos esse tempo
Pra perder?
E quem quer saber?
A vida é tão rara
Tão rara...

Mesmo quando tudo pede
Um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
Um pouco mais de alma
Eu sei, a vida não para
A vida não para não


A vida não para.

A vida é tão rara.

(Lenine)

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Outros clubes de leitura...

Estava lendo uns poemas da época da minha mãe e me deparei com esse aqui! Me lembrou da gente! (claro que somos menos formais!). Tem até uma Luzia!









O Passado...

O salão da frente recende a cravo.
Um grupo de gente moça
se reúne ali.
“Clube Literário Goiano”.
Rosa Godinho.
Luzia de Oliveira.
Leodegária de Jesus,
a presidência.

Nós, gente menor,
sentadas, convencidas, formais.
Respondendo à chamada.
Ouvindo atentas a leitura da ata.
Pedindo a palavra.
Levantando idéias geniais.

Encerrada a sessão com seriedade,
passávamos à tertúlia.
O velho harmônio, uma flauta, um bandolim.
Músicas antigas. Recitativos.
Declamavam-se monólogos.
Dialogávamos em rimas e risos.

D.Virgínia. Benjamim.
Rodolfo. Ludugero.
Veros anfitriões.
Sangrias. Doces. Licor de rosa.
Distinção. Agrado.

...

Cora Coralina

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Se é pra viver, viverei!


Se é para esquecer, eu não esqueço!
Se é pra perdoar, já perdoei!
Não cabe em meu amor
A mágoa da paixão,
Carinho que eu fiz
Não vai virar espinho!

Se é para amar, eu sigo amando!
Se é para viver, viverei!
Eu só não vou mudar meu pensamento,
Não quero mais saber de solidão!



Canção: Pensamento.
Composição: Milton Nascimento e Fernando Brant
.

Pétala















O seu amor
Reluz
Que nem riqueza
Asa do meu destino
Clareza do tino
Pétala
De estrela caindo
Bem devagar...

Oh, meu amor!
Viver
É todo sacrifício feito em seu nome
Quanto mais desejo um beijo

Um beijo seu
Muito mais eu vejo gosto em viver
Viver!

Por ser exato
O amor não cabe em si
Por ser encantado
O amor revela-se
Por ser amor
Invade
E fim!

Djavan

Despertar a alma


"Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo. Macondo era então uma aldeia de vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas que se precipitavam por um leito de pedras polidas, brancas e enormes como ovos pré-históricos. O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo. Todos os anos, pelo mês de março, uma família de ciganos esfarrapados plantava a sua tenda perto da aldeia e, com um grande alvoroço de apitos e tambores, dava a conhecer os novos inventos.
Primeiro trouxeram o ímã. Um cigano corpulento, de barba rude e mãos de pardal*, que se apresentou com o nome de Melquíades, fez uma truculenta demonstração pública daquilo que ele mesmo chamava de a oitava maravilha dos sábios alquimistas da Macedônia. Foi de casa em casa arrastando dois lingotes metálicos, e todo o mundo se espantou ao ver que os caldeirões, os tachos, as tenazes e os fogareiros caíam do lugar, e as madeiras estalavam com o desespero dos pregos e dos parafusos tentando se desencravar, e até os objetos perdidos há muito tempo apareciam onde mais tinham sido procurados, e se arrastavam em debandada turbulenta atrás dos ferros mágicos de Melquíades. "As coisas têm vida própria", apregoava o cigano com áspero sotaque, "tudo é questão de despertar a sua alma."

Cem anos de solidão, Gabriel García Márquez