sexta-feira, 29 de julho de 2011

Tudo o que há de mais chique



"- Deus do céu! Meu Deus! Imagine só! O dsr. Darcy! Quem poderia imaginar!E será mesmo verdade?Ah!Minha queridíssima Lizzy!Como você será rica e importante!Quanto dinheiro, quantas joias, quantas carruagens você vai ter!O que Jane vai ter não é nada perto de você, nadinha. Estou tão contente, tão feliz. Que homem encantador! Tão bonito! Tão alto! ... Ah, minha querida Lizzy! Por favor me desculpe de ter antipatizado com ele antes. Espero que ele esqueça tudo isso. Querida, querida Lizzy. Uma casa em Londres!Tudo o que há de mais chique! Três filhas casadas!Dez mil libras por ano!Ah, Jesus! Que vai ser de mim. Vou enlouquecer."

Orgulho e Preconceito, Jane Austen.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Teremos coisas bonitas pra contar


Não sou escravo de ninguém
Ninguém, senhor do meu domínio
Sei o que devo defender
E, por valor, eu tenho
E temo o que agora se desfaz

Viajamos sete léguas
Por entre abismos e florestas
Por Deus, nunca me vi tão só
É a própria fé o que destrói
Estes são dias desleais

Eu sou metal, raio, relâmpago e trovão
Eu sou metal, eu sou o ouro em seu brasão
Eu sou metal, me sabe o sopro do dragão

Reconheço meu pesar
Quando tudo é traição,
O que venho encontrar
É a virtude em outras mãos

Minha terra é a terra que é minha
E sempre será
Minha terra tem a lua, tem estrelas
E sempre terá

(...)

É a verdade o que assombra
O descaso que condena
A estupidez, o que destrói

Eu vejo tudo que se foi
E o que não existe mais
Tenho os sentidos já dormentes,
O corpo quer, a alma entende

Esta é a terra-de-ninguém
Sei que devo resistir
Eu quero a espada em minhas mãos

Eu sou metal, raio, relâmpago e trovão
Eu sou metal, eu sou o ouro em seu brasão
Eu sou metal, me sabe o sopro do dragão

Não me entrego sem lutar
Tenho, ainda, coração
Não aprendi a me render
Que caia o inimigo, então

Tudo passa, tudo passará
E nossa história não estará pelo avesso
Assim, sem final feliz
Teremos coisas bonitas pra contar

E, até lá, vamos viver
Temos muito ainda por fazer
Não olhe pra trás
Apenas começamos
O mundo começa agora
Apenas começamos


Trechos da música Metal Contra as Nuvens, Legião Urbana

Mr. Bennet e Lizzy


— Oh, Mr. Bennet, precisamos do senhor imediatamente. Estamos todos aflitos. Venha convencer Lizzy a se casar com Mr. Collins, pois ela declarou que não o quer. E, a não ser que intervenha imediatamente, ele mudará de idéia e não a quererá mais.
Mr. Bennet levantou os olhos do livro e fixou-os no rosto da sua esposa, com uma tranqüilidade que as suas palavras aflitas não alteraram.
— Não tenho o prazer de compreendê-la — disse ele, depois que ela acabou de falar. — Não sei de que está falando.
— De Mr. Collins e Lizzy. Lizzy declara que não quer Mr. Collins e este começa a achar que não quer Lizzy.
— Que é que eu poderei fazer? A situação parece irremediável.
— Fale com Lizzy pessoalmente. Diga que quer que ela se case com ele.
— Chame-a aqui. Eu darei a minha opinião.
Mrs. Bennet tocou a campainha e mandou dizer a Miss Elizabeth que viesse .
— Venha cá, minha filha — disse o pai, ao ver Elizabeth. — Mandei chamá-la para tratar de um assunto importante. Disseram-me que Mr. Collins lhe fez uma proposta de casamento. É verdade?
Elizabeth respondeu que era.
— Muito bem. E você recusou essa proposta?
— Recusei.
— Muito bem, chegamos agora ao assunto. Sua mãe insiste em que você aceite. Não é assim, Mrs. Bennet?
— Sim, ou eu nunca mais tornarei a vê-la.
— Você está diante de uma alternativa difícil, Elizabeth. De hoje em diante você terá que se tornar uma estranha para um dos seus pais. Sua mãe nunca mais olhará para você se não se casar com Mr. Collins. E eu nunca mais a verei se você se casar.


Orgulho e Preconceito, de Jane Austen

Lizzy



" Recuperado o bom humor, Elizabeth quis que o sr.Darcy lhe explicasse como se havia apaixonado por ela.

- Como tudo começoi/ - disse ela. - Posso compreender que você tenha aos poucos se encantado, uma vez nascido o sentimento;mas como ele começou?

- Não sei determinar a hora, o lugar ou o olhar, ou as palavras que lançaram os fundamentos. Faz muito tempo. Já estava no meio quando percebi que tinha começado.

- Antes você tinha resistido à minha beleza e, quanto às minhas maneiras, ao meu comportamento com você, sempre, no mínimo, beiravam o desaforo, e nunca falei com você sem querer causar-lhe mais mal do que bem. Agora seja sincero: você me admirava pela minha impertinência?

- Pela vivacidade da sua inteligência, sim.

- Chame de impertinência mesmo. Não era muito diferente disso. O fato é que estava farto de cortesias, deferências, de atenções servis. Não podia mais ver as mulheres que estavam sempre a falar, a olhar e a pensar só para a sua aprovação. Eu despertei a atenção e o seu interesse porque era muito diferente delas. Se você não fosse realmente generoso, ter-me-ia odiado por isso; mas, apesar dos esforços que fez para disfarçar, seus sentimentos sempre foram nobres e justos; e, no fundo do coração, você desprezava profundamente pessoas que o cortejavam com tanta assiduidade. Aí está. Eu lhe poupei o trabalho de ter de se explicar; e afinal, tudo bem considerado, começo a achar tudo muito razoável. Na verdade, você não via nenhum mérito em mim... mas ninguém pensa nisso quando se apaixona."

Orgulho e Preconceito, Jane Austen.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Decifrando o caráter

[...] - Lembro-me de já tê-lo ouvido dizer, Sr. Darcy, que dificilmente perdoa, e que seu ressentimento, uma vez despertado, jamais se aplaca. O senhor é muito cuidadoso, suponho, para que ele não seja despertado.
- Sim, sou - disse ele, com voz firme.
- E nunca se deixa influenciar pelo preconceito?
- Espero que não.
- É particularmente importante, para aqueles que nunca mudam de opinião, ter a certeza de julgar com justiça desde o início.
- Posso indagar a finalidade dessas perguntas?
- Apenas compreender seu caráter - disse ela, procurando dissipar seu ar de gravidade. - Estou tentanto decifrá-lo.
- E como está se saindo?
Ela sacudiu a cabeça.
- Não estou fazendo progresso algum. Ouço tantas informações contraditórias a seu respeito que fico confusa.
- Posso acreditar que as informações a meu respeito variem bastante - respondeu ele, com gravidade. - Desejaria, Srta. Bennet, que não tentasse definir meu caráter neste momento, pois tenho razões para acreditar que o resultado não seria muito lisonjeiro.
- Mas, se não o fizer agora, pode ser que jamais encontre outra oportunidade.
- Eu jamais a privaria desse prazer - disse ele, friamente.
Ela não disse mais nada. Terminaram a segunda dança e se separaram em silêncio; ambos contrariados, embora em graus diferentes, pois havia em Darcy um sentimento muito forte em relação a Elizabeth, que o levou imediatamente a perdoá-la e a dirigir seu mau humor contra outra pessoa.

Orgulho e preconceito, Jane Austen.

Grande tenda.





"Meus olhos varreram a tenda desesperados, à procura de Marlena. Em vez dela, vi um felino entrando sorrateiramente na passagem que levava à grande tenda. - era uma pantera, e quando seu corpo negro e ágil desapareceu no túnel de lona eu me preparei para o ataque. Se os caipiras ainda não sabiam, estavam prestes a descobrir. Demorou alguns segundos, mas então aconteceu - um grito seguido de outro, e depois outro, e então todo circo explodiu num barulho estrondoso de corpos tentando abrir caminho entre outros corpos e sair da arquibancada. A banda guinchou e parou novamente, mas dessa vez permaneceu em silêncio."




Trecho de Água para elefantes, de Sara Gruen. 

Depois do jantar.



"Quando as senhoras se retiraram depois do jantar, Eliza­beth correu para perto da irmã e, agasalhando-a contra o frio, conduziu-a até a sala, onde a convalescente foi saudada pelas duas amigas com grandes demonstrações de alegria. Elizabeth nunca vira aquelas senhoras se portarem tão amavelmente como durante a hora que decorreu antes de os cavalheiros aparece­rem. Sabiam conversar admiravelmente, sabiam descrever um baile com todos os detalhes, contar um episódio com graça e caçoar espirituosamente dos conhecidos. Mas, quando os cava­lheiros entraram, Jane deixou de ser o centro das suas atenções. Os olhos de Miss Bingley se voltaram imediatamente para Dar­cy; e ela encontrou logo o que dizer. Ele se dirigiu logo para Miss Bennet, dando-lhe amavelmente os parabéns; Mr. Hurst também se inclinou ligeiramente e afirmou que estava muito contente. Mas Bingley foi o único que mostrou realmente entu­siasmo e efusão. Cercou Miss Bennet de todas as atenções possíveis. Passou a primeira meia hora aumentando o fogo na la­reira, para que ela não sofresse a diferença de temperatura; fê-la mudar para o outro lado da lareira, para que ficasse o mais distante possível da porta. Em seguida sentou-se a seu lado e conversou quase que exclusivamente com ela. Elizabeth, que fazia o seu trabalho no canto oposto da sala, via tudo isto com grande prazer. Depois do chá, Mr. Hurst sugeriu em vão à cunhada que fizessem uma mesa de jogo. Ela sabia que Mr. Darcy não desejava jogar. E a proposta pública de Mr. Hurst também foi rejeitada. Miss Bingley lhe assegurou que ninguém queria jogar. E o silêncio geral que acompanhou estas palavras pareceu justificá-las. Mr. Hurst não teve portanto outra coisa a fazer senão se estender num dos sofás da sala e dormir. Darcy escolheu um livro para ler. Miss Bingley o imitou. E Mrs. Hurst, ocupada principalmente em brincar com os seus braceletes e anéis, tomava de vez em quando parte na conversa entre Miss Bennet e o seu irmão. [...] Miss Bingley estava tão ocupada em observar os progres­sos da leitura de Mr. Darcy quanto em ler o seu próprio livro; a todo momento fazia uma pergunta ou olhava a página do livro de Mr. Darcy, sem conseguir, entretanto, travar conver­sação."


Trecho de Orgulho e Preconceito, de Jane Austen

terça-feira, 26 de julho de 2011

Baile



Cena da adaptação cinematográfica do livro Orgulho e preconceito

Belos olhos

— Creio que conheço o objeto do seu devaneio.
— Creio que não.
— O senhor está imaginando quanto seria insuportável passar mais noites deste modo, em tal companhia; aliás, sou da mesma opinião. Nunca me aborreci tanto! A insipidez, apesar do barulho, a insignificância, apesar do ar de importância de toda esta gente. O que eu não daria para ouvir suas críticas sobre eles!
— Sua suposição está inteiramente equivocada, lhe asseguro. Minha mente ocupava-se de pensamentos mais agradáveis. Eu meditava sobre o imenso prazer que pode conceder um par de belos olhos no rosto de uma mulher.
A Srta. Bingley imediatamente fixou o olhar no rosto do Sr. Darcy, e desejou que ele revelasse qual das damas inspirara tais reflexões. O Sr. Darcy respondeu com grande intrepidez:
— A Srta. Elizabeth Bennet.
— A Srta. Elizabeth Bennet! — repetiu Srta. Bingley. — Estou assombrada. Desde quando a Srta. Elizabeth se tornou sua favorita? Quando poderei desejar-lhe felicidades?
— Esta é exatamente a pergunta que esperava da sua parte. A imaginação das mulheres é muito veloz; salta da admiração para o amor, e do amor para o casamento em um instante. Sabia que ia me desejar felicidades.
— Bem, se fala assim tão sério, considerarei o assunto absolutamente decidido. De fato, terá uma encantadora sogra e, naturalmente, ela estará sempre em Pemberley.
Ele a ouviu com perfeita indiferença enquanto ela se divertia com o assunto; e, convencida por aquela placidez de que não seria repreendida, a Srta. Bingley deu livre curso à sua ironia.

Orgulho e preconceito, Jane Austen.

Mr. Darcy & Elizabeth




"Elizabeth, sentindo a difícil e aflitiva situação em que Darcy se encontrava, se esforçou para falar. E, embora de forma hesitante, deu-lhe a entender imediatamente que os seus sentimentos tinham passado por tão grande transformação desde o período a que ele aludira, que agora podia aceitar as suas declarações com prazer e gratidão. A felicidade que essa resposta causou em Darcy foi a maior que até então conhecera. E ele a exprimiu nos termos mais calorosos que o seu coração de apai­xonado pôde encontrar. Se Elizabeth tivesse podido levantar os olhos, teria visto que a felicidade de Darcy se refletia no rosto, infundindo-lhe uma animação que o tornava belo. Se não podia ver, Elizabeth, no entanto, podia ouvir. E Darcy lhe revelou a importância que o afeto de Elizabeth tinha para ele. E a cada momento o seu amor crescia de importância aos olhos de Elizabeth."


Trecho de Orgulho e Preconceito, de Jane Austen.

He can only hold her



He can only hold her for so long
The lights are on but no one's home
She's so vacant 
Her soul is taken
He thinks: "what's she running from?"

How can he have her heart when it got stole?
Though he tries to pacify her
What's inside her never dies

Even if she's content in his warmth
She is plagued with urgency
Searching kisses
The man she misses
The man that he longs to be

Now how can he have her heart
When it got stole?
So he tries to pacify her
Cause what's inside her never dies

So he tries to pacify her'
Cause what's inside her, it never dies
So he tries to pacify her'
Cause what's inside her never dies.


He can only hold her, de Amy Winehouse (1983-2011).




Arrumar marido

" - Como estamos bem instaladas! - exclamou Lydia. - Estou contente de ter comprado o bonezinho, mesmo que seja só pelo prazer de ter outra caixa de chapéu! Bom, vamos agora tratar de ficar bem confortáveis e aconchegadas, e falar e rir até chegar em casa. E, para começar, vamos ouvir o que aconteceu com vocês todasdesde que foram embora. Viram algum homem interessante? Flertaram com alguém? Eu tinha grandes esperanças de que uma das duas ia arrumar marido antes de voltar pra casa. Jane logo será uma solteirona, é o que eu digo. Tem quase vinte e três anos!Meu Deus, que vergonha eu sentiria se ainda não tivesse casada aos vonte e três! "
Orgulho e Preconceito, Jane Austen.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Alimento do amor

- [...] Não gosto de me gabar de minhas filhas, mas, para dizer a verdade, não é muito frequente vermos uma moça mais bonita que Jane. É o que todos dizem. Não confio em minha opinião parcial. Quando ela tinha apenas quinze anos, havia um cavalheiro que frequentava a casa do meu irmão Gardiner, em Londres. Ficou tão apaixonado por ela que minha cunhada teve certeza de que faria uma proposta antes de virmos para cá. No entanto, não a fez. Talvez a julgasse muito jovem. Apesar de tudo, escreveu-lhe uns versos, muitos bonitos, por sinal.
- E assim acabou a afeição daquele senhor - disse Elizabeth, impaciente. - Suponho que muitas terminaram da mesma forma. Gostaria de saber quem descobriu a eficácia da poesia para destruir o amor.
- Costumo considerar a poesia como o alimento do amor. - disse Darcy.
- De um amor sincero, sólido, sadio, talvez. Tudo serve de alimento ao que já tem força. Mas, quando se trata de uma ligeira e frágil inclinação, estou convencida de que um bom soneto é suficiente para matá-la a fome.

Lady Catherine

" - O que você está falando, Fitzwilliam?Sobre o que estão conversando?O que está contando à srta.Bennet? Diga-me o que é.
-Estamos falando de música, minha senhora - disse ele, quando não pôde mais deixar de responder.

-De música!Então, por favor, falem em voz alta. De todos os assuntos, é o meu predileto. Devo participar da conversa, se estiverem falando de música. Creio que há poucas pessoas na Inglaterra que apreciem mais música do que eu ou que tenham um bom gosto natural tão pronunciado. Se eu tivesse estudado, teria sido uma grande entendida. E o mesmo se pode dizer de Anne, se a sáude lhe tivesse permitido aplicar-se. Tenho certeza de que ela teria tocado maravilhosamente. Como vai Georgiana, Darcy?

O sr. Darcy falou com muito carinho e entusiasmo dos progressos da irmã.

-Fico muito feliz em ouvir tão boas novas dela - disse lady Catherine - e, por favor diga a ela, da minha parte, que ela não pode esperar ser uma grande pianista sem estudar muito.

- Posso garantir, minha senhora - respondeu ele - , que ela não precisa de tal conselho. Ela estuda com muito afinco.

- Quanto mais, melhor. Nunca é demais estudar; e a próxima vez que escrever a ela vou insistir em que não neglicencie de modo nenhum o estudo. Sempre digo às jovens que a excelência na música só se adquire coma prática constante. Eu disse à srta. Bennet muitas vezes que ela jamais vai tocar realmente bem se não estudar mais; e, embora a sra. Collins não tenha pianoforte, ela será muito bem-vinda, como lhe disse tantas vezes, se vier a Rosings todos os dias tocar pianoforte no quarto da sra. Jenkinson. Assima, naquela parte da casa, não atrapalhará ninguém.

O sr.Darcy pareceu um pouco envergonhado com a má educação da tia, e não respondeu."

Orgulho e Preconceito, Jane Austen.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

conveniências do mundo

"Possuo muitos defeitos, mas não de compreensão, assim o espero. Quanto ao meu gênio, não garanto que seja muito bom, creio que é um pouco ríspido demais. Sim, certamente ríspido demais para as conveniências do mundo. Não consigo esquecer as loucuras e os vícios dos outros tão rapidamente como devia. Nem as ofensas que me fazem. Meus sentimentos não se inflamam ao menor esforço ou tentativa. Meu temperamento pode ser chamado rancoroso. Uma vez perdida a boa opinião que tenho de uma pessoa, está perdida para sempre."

Trecho de uma fala de Mr. Darcy. Orgulho e Preconceito, de Jane Austen.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Amor em família



"Jane olhou para Elizabeth com surpresa e inquietação. Jane pouco sabia a respeito dos encontros que a irmã tivera com Mr. Darcy no Derbyshire. Supunha, portanto, que a irmã se sentiria muito embaraçada ao vê-lo depois da carta explicativa que recebera da sua parte. As duas irmãs se sentiam bastante embaraçadas. Cada uma delas sentia pela outra e naturalmente por si própria. Mrs. Bennet continuou a falar sobre a antipatia que tinha por Mr. Darcy. E repetiu que estava disposta a tratá-lo amavelmente apenas porque era um amigo de Mr. Bingley. Mas suas palavras não foram ouvidas por nenhuma das suas filhas. Elizabeth tinha motivos de inquietação de que a sua irmã não suspeitava, pois nunca tivera coragem de mostrar a Jane a carta de Mrs. Gardiner nem de lhe revelar a mudança dos seus sentimentos para com Mr. Darcy. Para Jane, ele continuava a ser o homem cujas propostas ela tinha recusado, e cujas propostas ela subestimara. Mas para Elizabeth, que possuía outras informações, ele era a pessoa a quem toda família devia o maior dos benefícios, e a quem ela própria votava uma afeição, se não tão terna quanto a que Jane dedicava a Mr. Bingley, pelo menos tão razoável e tão justa."


Orgulho e Preconceito,  de Jane Austen. 

Os deslimites da palavra





Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença
delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor,
esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
-Gostar de fazer defeitos na frase e muito saudável,
o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da vida
um certo gosto por nadas. . .
E se riu.
Você não é de bugre? - ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios , não anda em
estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas
e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
agramática.





Trecho de poema de Manoel de Barros, Os deslimites da palavra.

Quando fui chuva...



Quando já não tinha espaço pequena fui
Onde a vida me cabia apertada
Em um canto qualquer acomodei
Minha dança os meus traços de chuva
E o que é estar em paz
Pra ser minha e assim ser tua

Quando já não procurava mais
Pude enfim, usar os teus vestidos d'água
Me atirar tranqüila daqui
Lavar os degraus, os sonhos e as calçadas

E assim no teu corpo eu fui chuva
Jeito bom de se encontrar
E assim no teu gosto eu fui chuva
Jeito bom de se deixar viver

Nada do que eu fui me veste agora
Sou toda gota, que escorre livre pelo rosto
E só sossega quando encontra a tua boca

E mesmo que em ti me perca
Nunca mais serei aquela
Que se fez seca
Vendo a vida passar pela janela

Quando já não procurava mais
Pude enfim, nos olhos teus vestidos d'água
Me atirar tranquila daqui
Lavar os degraus, os sonhos e as calçadas
E assim no teu corpo eu fui chuva
Jeito bom de se encontrar 
E assim no teu gosto eu fui chuva
Jeito bom de se deixar viver.




Quando fui chuva, de Maria Gadú.
Ouçam aqui.

...felicidade conjugal...



"Se as opiniões de Elizabeth se originassem do exemplo dado pela sua própria família, a sua ideia de felicidade conjugal e de consolo doméstico não poderia ser das mais lisonjeiras. Seu pai, cativado pela mocidade, beleza e aparência de bom humor que a juventude em geral confere às mulheres, tinha se casado com uma pessoa de débil compreensão e de idéias estreitas; muito pouco tempo depois do casamento, esses defeitos haviam extinto toda a afeição sincera que tinha por ela. O respeito, a estima, a confiança se tinham desvanecido para sempre. E todos os seus anseios de felicidade doméstica foram destruídos. Mas Mr. Bennet não era desses homens que procuram se consolar das desilusões causadas pelas próprias imprevidências entregando-se a esses prazeres em que os infelizes procuram uma compensação para seus vícios. Gostava do campo e dos livros; disso tirava as suas principais distrações; e, quanto à sua mulher, ele pouco mais lhe devia do que os divertimentos que o espetáculo de sua ignorância e a sua falta de senso lhe tinham proporcionado. Essa não é a espécie de felicidade que os homens em geral desejam encontrar no casamento. Mas, na falta de outros dons, o verdadeiro filósofo se contentará com os poucos que lhe são dados."


Orgulho e Preconceito, de Jane Austen. 

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Questão de pura sorte



" - Bom - disse Charlotte -, eu desejo a Jane todo o sucesso do mundo, de coração, e, se ela casasse com ele amanhã, acho que teria boas possibilidades de ser feliz, como se tivesse estudado o caráter dele por um ano. A felicidade no casamento é uma questão de pura sorte. Se os modos de ser de um e de outro forem muito semelhantes, isso pouco importa para a felicidade do casamento. As diferenças vão-se acentuando com o tempo até se tornarem insuportáveis; e é melhor conhecer o mínimo possível dos defeitos da pessoa com que teremos que passar a vida."

Orgulho e Preconceito, Jane Austen.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Tudo menos mulher



"- Por que aceitamos tanto? - questionou Noci.

- Quem ?

- Nós, mulehres. Por que aceitamos tanto, tudo?

- Porque temos medo.

O nosso medo maior é a solidão. Uma mulher não pode existir sozinha, sob o risco de deixar de ser mulher. Ou se converte, para tranquilidade de todos, numa outra coisa: numa louca, numa velha, numa feiticeira. Ou, como diria Silvestre, numa puta. Tudo menos mulher. Foi isto que eu disse a Noci: neste mundo só somos alguém se formos esposa. É o que agora sou, mesmo sendo viúva. Sou a esposa de um morto."

Antes de nascer o mundo, Mia Couto.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Nudez africana



"Como é que a mulher africana passou de assunto etnográfico para figurar nas capas de revistas de moda, nos anúncios de cosméticos, nas passarelas de alta-costura? Marcelo, eu bem notava, deleitava-se com a contemplação dessas imagens. Uma raiva funda fervia em mim. Era certo que a invasão da sensualidade negra era um sinal que os padrões de beleza se tornaram menos preconceituosos. A nudez da mulher negra, contudo, me conduzia ao meu próprio corpo. Pensando no modo como via o meu corpo concluí: eu não sabia estar nua. E dei conta: o que me cobria não era tanto o vestuário mas a vergonha. Era assim desde Eva, desde o pecado. Para mim, África não era um continente. Era o medo da minha própria sensualidade. Uma coisa parecia certa: se queria reconquistar Marcelo, precisava de deixar África emergir dentro de mim. Precisava de fazer nascer, em mim, a minha nudez africana."

Antes de nascer o mundo, Mia Couto.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

mostrar afeição

Se uma mulher esconde a sua afeição daquele que constitui o objeto dessa afeição, pode perder a oportunidade de conquistá-lo. E, neste caso, é um parco consolo refletir que os outros permanecem na mesma ignorância. Existe tanta gratidão e vaidade em quase todas as afeições que é perigoso abandoná-las à sua sorte — todos podemos começar livremente, uma ligeira preferência é bastante natural, mas são poucos os que têm o coração bastante firme para amar sem receber alguma coisa em troca. Em noventa por cento dos casos, uma mulher deve mostrar mais afeição do que a que realmente sente.

Trecho de uma fala de Charlotte Lucas. Orgulho e Preconceito, de Jane Austen.

A ausência

"Vês como fico pequena quando escrevo para ti? É por isso que eu nunca poderia ser poeta. O poeta se engrandece perante a ausência, como se a ausência fosse o seu altar, e ele ficasse maior que a palavra. No meu caso, não, a ausência me deixa submersa, sem acesso a mim.
Este é o meu conflito: quando estás, não existo, ignorada. Quando não estás, me desconheço, ignorante. Eu só sou na tua presença. E só me tenho na tua ausência. Agora, eu sei. Sou apenas um nome. Um nome que não se acende senão em tua boca."
Antes de nascer o mundo, Mia Couto.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Preconceito

Elizabeth sentia-se cada vez mais envergonhada de si mesma. Não podia pensar em Darcy nem em Wickham sem sentir que fora cega, parcial, preconceituosa e absurda.
"Como minha conduta foi desprezível!", pensou ela. "Eu, que me orgulhava tanto de ter discernimento! Eu, que valorizava minha inteligência! Tantas vezes desdenhei a generosa candura de minha irmã, e gratifiquei minha própria vaidade com inúteis e censuráveis desconfianças. Que descoberta humilhante! Mas como é justa esta humilhação! Eu não poderia ter agido mais cegamente nem se estivesse apaixonada! Mas a vaidade, não o amor, foi a minha tolice! Lisonjeada com a preferência de um e ofendida com a negligência de outro, logo no início de nossas relações, cortejei a parcialidade e a ignorância e afastei a razão em relação a ambos. Até este momento, eu não conhecia a mim mesma".

Orgulho e preconceito, Jane Austen.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

O último homem

Diálogo do primeiro pedido de casamento que Mr. Darcy faz a Elizabeth Bennet.

Darcy ficou sentado durante alguns instantes e depois, levantando-se, pôs-se a caminhar pela sala. Elizabeth ficou espantada, mas não disse nada. Depois de um silêncio de alguns minutos, aproximou-se agitado e disse:
— Em vão tenho lutado comigo mesmo; nada consegui. Meus sentimentos não podem ser reprimidos e preciso que me permita dizer-lhe que eu a admiro e amo ardentemente.
O espanto de Elizabeth não teve limites. Olhou fixamente para ele, enrubesceu, duvidou e ficou calada. Mr. Darcy considerou a atitude como um encorajamento e imediatamente fez-lhe a confissão de tudo o que sentia e já desde há muito vinha sentindo. Falou bem, mas através das suas palavras outros sentimentos, além dos do coração, podiam ser percebidos. E ele não falava com mais eloqüência da sua ternura do que do seu orgulho.
O sentimento da inferioridade de Elizabeth, do rebaixamento que aquele amor constituía, os obstáculos de família que a razão sempre opusera à inclinação, foram descritos com um ardor que parecia devido ao seu amor-próprio ferido, mas que recomendava muito pouco as suas pretensões.
Apesar da sua profunda antipatia, Elizabeth não podia deixar de ficar desvanecida pela afeição de tal homem. E embora as suas intenções nem por um só instante mudassem, a princípio ela teve pena de ser obrigada a lhe infligir uma tal decepção. Mas as palavras seguintes de Mr. Darcy tornaram a provar o seu ressentimento. Encolerizada, perdeu toda a compaixão. Procurou no entanto dominar-se, para responder cora paciência, assim que ele acabasse de falar. Ele concluiu descrevendo-lhe a força daquela afeição que, apesar dos seus esforços, não conseguira dominar. E exprimiu a esperança de que essa afeição fosse agora recompensada pela aceitação de Elizabeth. Enquanto Mr. Darcy falava, era evidente para Elizabeth que ele não duvidava de que a resposta fosse favorável. Falava em apreensão e ansiedade, mas o seu rosto exprimia realmente a certeza. Isto ainda a exasperou mais e, quando ele terminou, o sangue subiu ao rosto de Elizabeth, que disse:
— Em casos como este creio que é costume estabelecido exprimir a nossa gratidão pelos sentimentos que nos são confessados, embora esses sentimentos não possam ser retribuídos. É natural que essa gratidão seja sentida. E se a experimentasse agora eu lhe agradeceria. Mas não posso desejar e nunca desejei a sua boa opinião, e aliás o senhor a confere a mim contra a vontade. Sinto muito ter de causar decepção a qualquer pessoa, não o faço de propósito, entretanto espero que ela seja de curta duração. Os sentimentos que, segundo o senhor me disse, o impediram durante muito tempo de reconhecer a sua afeição hão de socorrê-lo facilmente depois da presente explicação.
Mr. Darcy, que estava apoiado contra a lareira, com os olhos fixos no rosto de Elizabeth, pareceu receber as suas palavras com tanta surpresa quanto ressentimento. O rosto se tornou pálido de cólera e a perturbação era visível em cada um dos seus traços. Lutava para dar aos seus gestos uma aparência de calma e não queria falar antes de ter conseguido o que desejava. A pausa era insuportável para Elizabeth. Afinal, numa voz em que transparecia o esforço para torná-la calma, respondeu:
— E esta é a única resposta a que eu tinha direito e com a qual tenho de me contentar!
Desejaria talvez que me informasse por que sou assim rejeitado, sem a menor tentativa de cortesia da sua parte. Mas isto tem pouca importância.
— Por minha vez, eu poderia perguntar — replicou ela — por que, com o intuito tão evidente de me ofender e de insultar, o senhor resolveu dizer que gostava de mim contra a sua vontade, contra a sua razão e mesmo contra o seu caráter. Não é escusa suficiente para a minha falta de cortesia? Se é que realmente cometi essa falta... Mas tenho outros motivos para me sentir ferida.
E o senhor bem o sabe. Mesmo que os meus sentimentos não lhe fossem contrários, se lhe fossem indiferentes ou mesmo favoráveis, o senhor acha que qualquer consideração me inclinaria a aceitar um homem que arruinou talvez para sempre a felicidade de uma irmã querida?
Enquanto ela pronunciava estas palavras, Mr. Darcy mudou de cor. Mas a emoção foi curta e ele continuou a ouvir sem tentar interromper.
— Tenho todas as razões do mundo para pensar mal do senhor — prosseguiu Elizabeth. — Nenhum motivo poderá escusar o ato injusto e mesquinho que praticou. O senhor não ousará negar que foi o meio principal, se não o único, de separar aquelas duas pessoas e de expô-las à censura e ao ridículo do mundo, uma delas por capricho e instabilidade, outra pela decepção das suas esperanças, causando-lhes um grande mal.
Fez uma pausa e viu, com grande indignação, que ele a ouvia com ar de quem não sentia o menor remorso. Olhou-a mesmo com um sorriso de incredulidade afetada.
— O senhor pode negar o que fez? — repetiu ela.
Ele então respondeu com fingida tranqüilidade:
— Não desejo negar que fiz tudo o que pude para separar meu amigo da sua irmã. Tampouco negarei que me alegro desse êxito. Fui mais previdente para com ele do que para comigo próprio.
Elizabeth não quis mostrar que compreendeu a observação, mas o sentido não lhe escapou. Como tampouco foi de natureza a aplacá-la.
— Mas não é apenas nessa história que se funda a minha antipatia — continuou ela. — Muito antes de ela acontecer eu já tinha opinião formada a seu respeito. A narrativa que já há muitos meses me fez Mr. Wickham me revelou o seu caráter. Que tem o senhor a dizer sobre este assunto? Que ato imaginário de amizade poderá o senhor alegar para se justificar? Que falsos motivos poderá inventar para iludir os outros?
— A senhora parece se interessar extraordinariamente pelas mágoas daquele cavalheiro.
— Nenhuma pessoa que conheça o seu infortúnio pode deixar de se interessar por ele.
— Seu infortúnio! — repetiu Darcy, num tom de desprezo. — Sim, o seu infortúnio foi realmente grande.
— E foi o senhor quem o infligiu — exclamou Elizabeth, com energia. — Foi o senhor quem o reduziu ao seu estado atual de pobreza, de comparativa pobreza. O senhor lhe recusou os direitos que lhe cabiam, as vantagens que lhe tinham sido destinadas. Privou-o, durante os melhores anos da sua vida, da independência a que ele tinha direito e que aliás merecia. Tudo isso o senhor fez! E agora ouve o relato do seu infortúnio com desprezo e ironia.
— Então é esta a opinião que tem de mim! — exclamou Darcy, caminhando apressado pela sala. — É este o valor que me dá! Agradeço-lhe por se ter explicado tão claramente. Minhas faltas, tais como as descreve, são realmente pesadas. Mas talvez — acrescentou ele, detendo-se e voltando-se para Elizabeth —, talvez essas ofensas pudessem ter sido relevadas, se eu não tivesse ferido o seu orgulho, confessando-lhe com toda a franqueza os escrúpulos que me impediram durante tanto tempo de tomar uma resolução. Eu poderia ter evitado as suas amargas acusações, se me tivesse mostrado mais hábil, escondendo-lhe as minhas lutas e fazendo crer que era movido por uma inclinação a que nada se opunha, nem a razão, nem a reflexão, nem qualquer outro motivo. Mas odeio toda espécie de fingimento. Tampouco me envergonham os sentimentos que lhe exprimi. São naturais e justos. Pode exigir de mim que me felicite pela inferioridade social dos seus parentes? Ou que me alegre com a esperança de me relacionar com pessoas de condição inferior à minha?
Elizabeth sentia a sua cólera crescer de momento a momento; apesar disso procurou falar com toda a calma:
— O senhor está enganado, Mr. Darcy. A sua atitude pouco cavalheiresca apenas me poupou o desgosto de recusar o seu pedido, se ele tivesse sido feito de outra forma.
Elizabeth percebeu que ele se sobressaltava ao ouvir estas palavras. Mas Mr. Darcy nada disse e ela prosseguiu:
— Eu o teria recusado de qualquer forma. Nada me poderia ter persuadido a aceitar a sua mão.
Novamente seu espanto foi evidente. Mr. Darcy olhou para Elizabeth com incredulidade e mortificação. Ela continuou:
— Posso dizer que desde o princípio, desde o primeiro instante quase em que o conheci, as suas maneiras me convenceram de que era um homem arrogante, retensioso, e de que tinha a maior indiferença pelos sentimentos dos outros. Esta impressão foi tão profunda que constituiu, por assim dizer, o alicerce sobre o qual os acontecimentos subseqüentes elevaram uma indestrutível antipatia; e talvez menos de um mês depois de conhecê-lo estava convencida de que o senhor seria o último homem no mundo com o qual eu me casaria.
— Não precisa acrescentar mais nada — disse Darcy. — Compreendo perfeitamente os seus sentimentos, e nada me resta senão me envergonhar dos meus. Perdoe-me ter tomado o seu precioso tempo, e aceite os meus mais sinceros votos de felicidade.

Orgulho e preconceito, Jane Austen.

O razoável



" Também aprendemos que um pouco de bom humor é terapêutico. Na maturidade podemos nos divertir com coisas que anos atrás nos fariam perder noites de sonhos. Conseguimos fazer uma faxina na alma, removendo coisas aparentemente simples mas que podem ser muito onerosas. Botar fora essa carga emocional de mágoa e frustração que atravanca nossas gavetas interiores traz grande alívio.

Quando tudo parece insoluvelmente ruim, um recurso, ensinou-me uma amiga mais sábia do que eu, é indagar: Isso que está me atormentando é tragédia, ou é só chateação?

O razoável sabe que o ser humano não é grande coisa, mas gosta dele; entende que a vida é luta, mas quer vivê-la bem. Terapia, uma bela caminhada, um novo amor, pintar o cabelo, jantar num lugar delicioso, mudar de lugar os vasos do jardim, comprar um cachorro, ir ao futebol, planejar uma viagem (pode ser só até ali), refletir - tudo isso contribui para mudar um pouco a perspectiva que a gente vinha cultivando.

Tudo é melhor do que a autocompaixão, porque nessas areias movediças quanto mais ficamos mais somos engolidos. É o desperdício da vida que podemos ter e não curtimos, porque a tratamos como prima pobre dos nossos desejos encolhidos na medida da nossa falta de fervor."

Pensar é trangredir, Lya Luft.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Acaso

Mais de uma vez, durante seus passeios pelo parque, Elizabeth encontrou inesperadamente o Sr. Darcy. Ela percebeu a perversidade do acaso, que o levava aonde ninguém mais costumava ir. E, para evitar que a situação se repetisse, logo no primeiro encontro cuidou de dizer que aquele era um de seus lugares favoritos. Achou muito estranho portanto que o acaso se repetisse uma segunda vez, e mesmo uma terceira. Parecia o efeito de uma obstinação cruel, ou de uma voluntária penitência, pois aquelas ocasiões não se limitavam meramente às perguntas de cortesia, seguida por uma pausa embaraçosa e depois pela despedida; pelo contrário, ele achava necessário dar meia volta e acompanhá-la.

Orgulho e preconceito, Jane Austen.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Pouca confiança

"Poucas são as pessoas que eu realmente amo, e menos ainda as que tenho em boa conta. Quanto mais conheço o mundo, menos ele me satisfaz; e a cada dia aumenta minha crença na incoerência do caráter humano e na pouca confiança que se pode depositar nas aparências do mérito ou do bom-senso".

Trecho de uma fala de Elizabeth Bennet, em Orgulho e preconceito, de Jane Austen.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Mr. Darcy

Mr. Bingley era simpático e fino de maneiras. A sua aparência era agradável, os gestos sem afetação. Quanto às irmãs, era visível que se tratava de pessoas distintas. Vestiam-se segundo a última moda. O cunhado, Mr. Hurst, era o que se pode chamar de um gentleman, sem outras características. Mas o amigo, Mr. Darcy, atraiu desde logo a atenção da sala, pela sua estatura, elegância, traços regulares e atitude nobre, e também pela notícia que circulou, cinco minutos depois da sua entrada, de que possuía um rendimento de dez mil libras por ano. Os cavalheiros declararam que ele era uma bela figura de homem, as senhoras foram de opinião que era muito mais elegante do que Mr. Bingley. Todos o olharam com grande admiração durante metade do baile, até que finalmente a sua atitude provocou um certo desapontamento que alterou a sua maré de popularidade, pois descobriram que era orgulhoso, permanecia afastado do seu grupo e parecia impossível de contentar. E nem mesmo toda a sua grande propriedade, no Derbyshire, pôde salvá-lo da opinião que começava a se formar a seu respeito, de que ele tinha modos antipáticos e desagradáveis e de que era indigno de ser comparado ao amigo. E Mr. Bingley, em pouco tempo, travou relações com as principais pessoas da sala. Era animado e franco, dançava todas as vezes e mostrou-se aborrecido por ter o baile terminado tão cedo. Chegou mesmo a falar em dar outro em Netherfield. Qualidades tão amáveis falam por si mesmas. Que contraste entre ele e o amigo! Mr. Darcy dançou apenas uma vez com Mrs. Hurst e outra com Miss Bingley. Recusou-se a ser apresentado a qualquer outra moça e passou o resto da noite andando pelo salão, conversando ocasionalmente com uma ou outra pessoa do seu próprio grupo. Seu caráter estava fixado. Era o homem mais orgulhoso, mais desagradável do mundo. E todos pediram a Deus que ele nunca mais voltasse.


Jane Austen. Orgulho e Preconceito.

Demasiada alma



"- Queimadura de alma!

Nosso velho pai tinha a sua explicação para os achaques: demasiada alma. Doença que se apanha na cidade, concluia. E resmungava, dedo em riste:

- Foi onde seu irmão apanhou essa porcaria. Foi lá, na maldita cidade.

A terapêutica era simples e eficaz. De cada vez que Ntunzi sofresse de convulsões, meu pai assentava-lhe os dois joelhos sobre o peito e, usando os dedos como gumes de faca, aplicava sobre a garganta uma pressão crescente. Parecia que o ia asfixiar mas, de repente, meu irmão vazava como um balão furado, os ares fluindo pelos lábios que emitiam um ruído parecido com o relinchar da jumenta Jezibela. Quando Ntunzi já estava vazio, meu pai se inclinava até lhe roçar o rosto, e sussurrava, solene:

- Este é o sopro da vida.

Aspirava uma generosa golfada de ar e soprava forte sobre a boca de Ntunzi. E quando o filho já estrebuchava, ele concluía triunfante:

- Eu é que vos pari."

Antes de nascer o mundo, Mia Couto.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Chorar



"A raiva é apenas um modo diverso de chorar. Conservei-me distante, fingindo que arrumava as ferramentas. Ninguém se deve aproximar de um homem que faz de conta que não chora."

Antes de nascer o mundo, Mia Couto.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Proteção

O consentimento de Sir William e de Lady Lucas foi rapidamente solicitado, e concedido com a maior boa vontade. A situação atual de Mr. Collins o tornava um partido muito desejável para a filha, a quem só podiam deixar uma pequena fortuna, e as probabilidades que tinha Mr. Collins de herdar fortuna eram bastante evidentes. Lady Lucas começou a calcular diretamente, com um interesse que jamais tivera pelo assunto, quantos anos provavelmente viveria ainda Mr. Bennet, e Sir William manifestou a opinião de que, quando Mr. Collins entrasse na propriedade de Longbourn, seria altamente conveniente que ambos, ele e a esposa, se apresentassem em St. James. Em suma, toda a família se sentiu profundamente feliz. [...] Charlotte, pessoalmente, se mostrou bastante discreta. Conseguira o que almejava e tinha tempo para refletir no assunto. Suas reflexões foram em geral satisfatórias. Mr. Collins não era a bem dizer nem sensato nem agradável. A sua companhia era cansativa. E a sua afeição por ela devia ser imaginária. Mas mesmo assim seria seu marido. Sem ter grandes ilusões a respeito dos homens ou do matrimônio, o casamento sempre fora o seu maior desejo; era a única posição tolerável para uma moça bem-educada e de pouca fortuna. E por mais incertas que fossem as perspectivas de felicidade, era ainda a forma mais agradável de ficar ao abrigo da necessidade. Esta proteção, ela agora a obtivera. Tinha vinte e sete anos e jamais fora bela. Sabia portanto que tivera sorte.

Trecho do capítulo XXII de Orgulho e preconceito, de Jane Austen.

A terra são braços e abraços




" Aproximado ainda dormiu conosco essa noite. Antes de ele adormecer, aproximei-me do seu leito, decidido a fazer uma confissão:

- Tio, eu acho que a culpa é minha.

-Culpa de quê?

-Fui eu que fiz adoecer Ntunzinho.

A minha culpa era a seguinte: eu tinha feito coro com seu desejo de matarmos nosso velho. A mão redonda de Aproximado pousou na minha cabeça e ele sorriu com bondade:

- Vou lhe contar uma história.

E falou de um certo pai que não sabia dar tamanho ao amor pelo seu filho. Certa vez registrou-se um incêndio no casebre em que viviam. O homem pegou no menino ao colo e se afastou da tragédia, caminhando pela noite fora. Deve ter superado o limite deste mundo pois quando, por fim, decidiu colocá-lo no chão, reparou que já não havia terra. Restava um vazio entre vazios, rompidas nuvens entre desmaiados céus. Para si mesmo, o homem conclui:

- Agora, só no meu colo meu filho encontrará chão.

Nunca esse menino se apercebeu que o imenso território onde depois viveu, cresceu e fez filhos não era senão o regaço do seu velho progenitor. Muitos anos depois, quando abria a sepultura do pai, chamou o seu filho e lhe disse:

- Vê a terra, filho? Parece areia, pedras e torrões. Mas são braços e abraços.

Afaguei a mão do Tio, regressei ao meu leito para, durante toda a noite, não pregar o olho. Vigiava o pesado respirar de Ntunzi. E foi então que notei que ele estava regressando à vida. De súbito, as suas mãos tactearam o escuro à procura de algo. E soltou-se o gemido, quase adivinhado:

-Água!

Acudi, represando a emoção. Aproximado despertou e acendeu uma lanterna. O foco de luz se desviou de nós e foi errando pelo corredor. No instante seguinte, os três adultos entraram no quarto e se precipitaram sobre o leito de Ntunzi. A mão tremente de Silvestre buscou o rosto do filho e viu que não estava febril.

- O rio o salvou - exclamou Zacaria.

O militar se ajoelhou junto ao leito e tomou a mão de Ntunzi. Os outros dois adultos, Aproximado e Silvestre, ficaram de pé, enfrentando-se em silêncio. De rompante, eles se abraçaram. A lanterna tombou e apenas as suas pernas eram visíveis, em nervosos passos para trás e para adiante. Pela primeira vez, Silvestre tratou o cunhado por irmão:

- Desculpe, meu irmão.

- Se esse meu sobrinho morresse, você já não teria mais nenhum outro lugar para viver...

-Você sabe bem quanto eu cuido destes meninos. Os meus filhos são a minha última vida.

- Não é assim que você os ajuda.

Não é segurando nas asas que se ajuda um pássaro a voar. O pássaro voa simplesmente porque o deixam ser pássaro. Foi assim que falou o Tio Aproximado. E depois partiu, engolido pelo escuro."

Antes de nascer o mundo, Mia Couto.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Pedido de casamento: Mr Collins

(Trecho do capítulo XIX, em que o primo Collins pede a mão de Lizzy em casamento)

Acredite, minha cara Miss Elizabeth, que a sua mo­déstia, longe de prejudicá-la, acrescenta mais uma às suas outras perfeições. A senhora teria sido menos adorável aos meus olhos se não tivesse havido essa pequena resistência. No entanto, per­mita que lhe assegure que tenho a permissão da sua respeitável mãe para este empreendimento. A senhora dificilmente poderá ignorar o verdadeiro sentido das minhas palavras. No entanto, a sua natural delicadeza pode levá-la a dissimular. As minhas atenções foram marcadas demais para serem mal compreendi­das. Quase desde o primeiro momento em que entrei nesta casa escolhi-a para companheira da minha vida futura. Antes de me deixar levar pelos meus sentimentos a este respeito, talvez convenha dizer-lhe as razões que tenho para me casar e além disso os motivos que me trouxeram ao Hertfordshire com o propó­sito de escolher uma esposa.

A idéia de que Mr. Collins, com toda a sua solenidade, pudesse ser levado pelos sentimentos provocou no espírito de Elizabeth tamanha hilariedade, que ela não pôde utilizar a curta pausa que se seguiu a fim de procurar detê-lo. Ele prosseguiu:

Minhas razões para casar são: primeiro, penso que é uma obrigação de todos os pastores que se encontrem em boa situação, como eu, dar bom exemplo à sua paróquia. Em segun­do lugar estou convencido de que isto contribuirá grandemente para a minha felicidade. E o terceiro motivo, que eu devia tal­vez ter mencionado primeiro, é o conselho e a expressa reco­mendação da muito nobre senhora que eu tenho a honra de chamar a minha protetora. Duas vezes ela condescendeu em dar-me a sua opinião sobre este assunto, sem que eu lhe pedis­se. [...] Resta-me explicar por que lancei as minhas vistas sobre Longbourn de preferência ao lugar onde resido, em que, posso lhe assegurar, encontraria muitas moças encantadoras. Mas o fato é que, sendo eu o herdeiro do seu honrado pai, que no entanto pode ainda viver longos anos, achei que era do meu dever escolher uma esposa entre as suas filhas, para que o prejuízo destas pessoas possa ser o menor possível, quando aquele triste acontecimento tiver lugar; o qual entretanto, como eu já disse, pode demorar ainda muitos anos. Este foi o meu motivo principal, minha estimada prima, e estou certo de que ele não me diminuirá aos seus olhos. E agora nada me resta senão lhe exprimir, na linguagem mais apaixonada, a violência da minha afeição. Sou perfeitamente indiferente à for­tuna e não farei nenhuma exigência dessa natureza a seu pai, pois sei perfeitamente que ela não poderia ser atendida. Sei também que as mil libras a quatro por cento, que só serão suas depois da morte de sua mãe, são tudo a que a minha prima tem direito. Sobre esse assunto, portanto, eu me conservarei silen­cioso. Pode ficar certa de que nenhuma observação pouco ge­nerosa atravessará os meus lábios depois que nos casarmos.

Tornava-se agora absolutamente necessário interrompê-lo.

O senhor está se precipitando — exclamou Elizabeth. — Esquece que ainda não lhe dei uma resposta. É o que vou fazer, sem mais perda de tempo: aceite os meus agradecimen­tos pela honra que está me dando. Creia que o aprecio devida­mente, mas é-me impossível fazer outra coisa senão recusar.

Não é preciso que me ensine — replicou Mr. Collins, com um largo gesto da mão — que as moças costumam rejei­tar as propostas do homem que secretamente tencionam aceitar, da primeira vez em que são feitas; e que às vezes até esta re­cusa se repete duas ou três vezes. Portanto, não estou absolu­tamente desencorajado pelo que acabou de dizer e espero den­tro em breve conduzi-la ao altar.

Digo-lhe sinceramente — exclamou Elizabeth — que a sua esperança me parece extraordinária depois da minha de­claração. Asseguro-lhe que não sou dessas moças, se é que exis­tem, que cometem a ousadia de arriscar a sua felicidade con­fiando nas possibilidades de um segundo pedido. Minha recusa é perfeitamente séria. O senhor não me poderia tornar feliz. E estou convencida de que sou a última mulher do mundo ca­paz de fazê-lo feliz. Creio até que se a sua amiga Lady Cathe­rine me conhecesse me acharia sob todos esses aspectos mal qua­lificada para essa situação.

Se eu tivesse certeza de que Lady Catherine pensaria assim... — disse Mr. Collins muito gravemente. — Mas não posso crer que Sua Senhoria desaprovasse a minha escolha. E pode ficar certa de que, quando tiver a honra de tornar a vê-la, falarei com todo o entusiasmo na sua modéstia, economia e outras estimáveis qualidades.

Asseguro-lhe, Mr. Collins, que todos esses elogios se­rão desnecessários. É preciso que me conceda a licença de jul­gar por mim mesma e me faça o favor de acreditar no que digo. Desejo que se torne muito rico e muito feliz e, recusando-lhe a minha mão, faço tudo que está em meu poder para auxiliá-lo a atingir os seus fins. Fazendo-me este oferecimento, já teve ocasião de mostrar a delicadeza dos seus sentimentos e pode portanto tomar posse da propriedade de Longbourn quando o meu pai morrer, sem nenhum escrúpulo. O assunto pode ser considerado encerrado.

E dizendo estas palavras Elizabeth se levantou e teria saí­do da sala se Mr. Collins não tivesse se dirigido a ela:

Quando eu tiver a honra de lhe falar pela segunda vez neste assunto, espero receber uma resposta mais favorável. Longe de mim, no entanto, acusá-la de crueldade neste momen­to, pois sei que é um costume do seu sexo rejeitar as primeiras propostas de um homem. E penso que me deu agora todos os encorajamentos compatíveis com a verdadeira delicadeza do ca­ráter feminino.

Realmente, Mr. Collins — gritou Elizabeth, com vivacidade —, o senhor me surpreende. Se o que eu lhe disse até agora pode lhe parecer um encorajamento não sei de que ma­neira lhe exprimir a minha recusa de maneira a torná-la con­vincente.

Peço licença, minha encantadora prima, para aceitar a sua recusa apenas como uma questão de palavras. Minhas ra­zões para acreditar nisto são em suma as seguintes: não me pa­rece que a minha mão seja indigna da sua pessoa, nem tampou­co a situação que posso oferecer-lhe. Minha posição na vida, minhas relações com a família De Bourgh e meu parentesco com a sua são circunstâncias que falam altamente em meu favor. E além disso a minha prima devia tomar em consideração tam­bém que, apesar dos seus muitos atrativos, não é certo que outra proposta de casamento lhe seja feita. O seu dote é infe­lizmente tão pequeno que provavelmente contrabalançaria os efeitos da sua beleza e das suas qualidades. Devo portanto con­cluir que ao me rejeitar não está falando seriamente e prefiro atribuir a sua recusa ao desejo de aumentar o meu amor, dei­xando-me na incerteza, de acordo com os costumes habituais das mulheres elegantes.

Asseguro-lhe que não tenho quaisquer pretensões a esta espécie de elegância, que consiste em torturar e atormentar um homem respeitável. Prefiro que me dê a honra de acreditar na minha sinceridade. Repito os meus agradecimentos pela gran­de honra que me deu, mas é-me inteiramente impossível acei­tá-lo. Todos os meus sentimentos o impedem. Posso falar mais claramente: não me considere uma mulher elegante que tem a intenção de atormentá-lo, mas uma criatura racional, falando a verdade do coração.

A minha prima é um encanto! — exclamou ele, com um ar de desajeitada galanteria. — Estou persuadido de que, depois de sancionadas pela autoridade expressa de seus exce­lentes pais, minhas propostas não poderão deixar de se tornar aceitáveis.

Contra tal perseverança na vontade de se iludir, Elizabeth nada poderia fazer. Imediatamente se levantou e saiu, determi­nada, caso ele persistisse em considerar as suas repetidas recu­sas como suaves encorajamentos, a apelar para o pai, cuja re­cusa podia ser decisiva e cuja atitude Mr. Collins não poderia tomar como afetação e artifício de mulher elegante.

Orgulho e preconceito, Jane Austen.