quarta-feira, 13 de julho de 2011

O último homem

Diálogo do primeiro pedido de casamento que Mr. Darcy faz a Elizabeth Bennet.

Darcy ficou sentado durante alguns instantes e depois, levantando-se, pôs-se a caminhar pela sala. Elizabeth ficou espantada, mas não disse nada. Depois de um silêncio de alguns minutos, aproximou-se agitado e disse:
— Em vão tenho lutado comigo mesmo; nada consegui. Meus sentimentos não podem ser reprimidos e preciso que me permita dizer-lhe que eu a admiro e amo ardentemente.
O espanto de Elizabeth não teve limites. Olhou fixamente para ele, enrubesceu, duvidou e ficou calada. Mr. Darcy considerou a atitude como um encorajamento e imediatamente fez-lhe a confissão de tudo o que sentia e já desde há muito vinha sentindo. Falou bem, mas através das suas palavras outros sentimentos, além dos do coração, podiam ser percebidos. E ele não falava com mais eloqüência da sua ternura do que do seu orgulho.
O sentimento da inferioridade de Elizabeth, do rebaixamento que aquele amor constituía, os obstáculos de família que a razão sempre opusera à inclinação, foram descritos com um ardor que parecia devido ao seu amor-próprio ferido, mas que recomendava muito pouco as suas pretensões.
Apesar da sua profunda antipatia, Elizabeth não podia deixar de ficar desvanecida pela afeição de tal homem. E embora as suas intenções nem por um só instante mudassem, a princípio ela teve pena de ser obrigada a lhe infligir uma tal decepção. Mas as palavras seguintes de Mr. Darcy tornaram a provar o seu ressentimento. Encolerizada, perdeu toda a compaixão. Procurou no entanto dominar-se, para responder cora paciência, assim que ele acabasse de falar. Ele concluiu descrevendo-lhe a força daquela afeição que, apesar dos seus esforços, não conseguira dominar. E exprimiu a esperança de que essa afeição fosse agora recompensada pela aceitação de Elizabeth. Enquanto Mr. Darcy falava, era evidente para Elizabeth que ele não duvidava de que a resposta fosse favorável. Falava em apreensão e ansiedade, mas o seu rosto exprimia realmente a certeza. Isto ainda a exasperou mais e, quando ele terminou, o sangue subiu ao rosto de Elizabeth, que disse:
— Em casos como este creio que é costume estabelecido exprimir a nossa gratidão pelos sentimentos que nos são confessados, embora esses sentimentos não possam ser retribuídos. É natural que essa gratidão seja sentida. E se a experimentasse agora eu lhe agradeceria. Mas não posso desejar e nunca desejei a sua boa opinião, e aliás o senhor a confere a mim contra a vontade. Sinto muito ter de causar decepção a qualquer pessoa, não o faço de propósito, entretanto espero que ela seja de curta duração. Os sentimentos que, segundo o senhor me disse, o impediram durante muito tempo de reconhecer a sua afeição hão de socorrê-lo facilmente depois da presente explicação.
Mr. Darcy, que estava apoiado contra a lareira, com os olhos fixos no rosto de Elizabeth, pareceu receber as suas palavras com tanta surpresa quanto ressentimento. O rosto se tornou pálido de cólera e a perturbação era visível em cada um dos seus traços. Lutava para dar aos seus gestos uma aparência de calma e não queria falar antes de ter conseguido o que desejava. A pausa era insuportável para Elizabeth. Afinal, numa voz em que transparecia o esforço para torná-la calma, respondeu:
— E esta é a única resposta a que eu tinha direito e com a qual tenho de me contentar!
Desejaria talvez que me informasse por que sou assim rejeitado, sem a menor tentativa de cortesia da sua parte. Mas isto tem pouca importância.
— Por minha vez, eu poderia perguntar — replicou ela — por que, com o intuito tão evidente de me ofender e de insultar, o senhor resolveu dizer que gostava de mim contra a sua vontade, contra a sua razão e mesmo contra o seu caráter. Não é escusa suficiente para a minha falta de cortesia? Se é que realmente cometi essa falta... Mas tenho outros motivos para me sentir ferida.
E o senhor bem o sabe. Mesmo que os meus sentimentos não lhe fossem contrários, se lhe fossem indiferentes ou mesmo favoráveis, o senhor acha que qualquer consideração me inclinaria a aceitar um homem que arruinou talvez para sempre a felicidade de uma irmã querida?
Enquanto ela pronunciava estas palavras, Mr. Darcy mudou de cor. Mas a emoção foi curta e ele continuou a ouvir sem tentar interromper.
— Tenho todas as razões do mundo para pensar mal do senhor — prosseguiu Elizabeth. — Nenhum motivo poderá escusar o ato injusto e mesquinho que praticou. O senhor não ousará negar que foi o meio principal, se não o único, de separar aquelas duas pessoas e de expô-las à censura e ao ridículo do mundo, uma delas por capricho e instabilidade, outra pela decepção das suas esperanças, causando-lhes um grande mal.
Fez uma pausa e viu, com grande indignação, que ele a ouvia com ar de quem não sentia o menor remorso. Olhou-a mesmo com um sorriso de incredulidade afetada.
— O senhor pode negar o que fez? — repetiu ela.
Ele então respondeu com fingida tranqüilidade:
— Não desejo negar que fiz tudo o que pude para separar meu amigo da sua irmã. Tampouco negarei que me alegro desse êxito. Fui mais previdente para com ele do que para comigo próprio.
Elizabeth não quis mostrar que compreendeu a observação, mas o sentido não lhe escapou. Como tampouco foi de natureza a aplacá-la.
— Mas não é apenas nessa história que se funda a minha antipatia — continuou ela. — Muito antes de ela acontecer eu já tinha opinião formada a seu respeito. A narrativa que já há muitos meses me fez Mr. Wickham me revelou o seu caráter. Que tem o senhor a dizer sobre este assunto? Que ato imaginário de amizade poderá o senhor alegar para se justificar? Que falsos motivos poderá inventar para iludir os outros?
— A senhora parece se interessar extraordinariamente pelas mágoas daquele cavalheiro.
— Nenhuma pessoa que conheça o seu infortúnio pode deixar de se interessar por ele.
— Seu infortúnio! — repetiu Darcy, num tom de desprezo. — Sim, o seu infortúnio foi realmente grande.
— E foi o senhor quem o infligiu — exclamou Elizabeth, com energia. — Foi o senhor quem o reduziu ao seu estado atual de pobreza, de comparativa pobreza. O senhor lhe recusou os direitos que lhe cabiam, as vantagens que lhe tinham sido destinadas. Privou-o, durante os melhores anos da sua vida, da independência a que ele tinha direito e que aliás merecia. Tudo isso o senhor fez! E agora ouve o relato do seu infortúnio com desprezo e ironia.
— Então é esta a opinião que tem de mim! — exclamou Darcy, caminhando apressado pela sala. — É este o valor que me dá! Agradeço-lhe por se ter explicado tão claramente. Minhas faltas, tais como as descreve, são realmente pesadas. Mas talvez — acrescentou ele, detendo-se e voltando-se para Elizabeth —, talvez essas ofensas pudessem ter sido relevadas, se eu não tivesse ferido o seu orgulho, confessando-lhe com toda a franqueza os escrúpulos que me impediram durante tanto tempo de tomar uma resolução. Eu poderia ter evitado as suas amargas acusações, se me tivesse mostrado mais hábil, escondendo-lhe as minhas lutas e fazendo crer que era movido por uma inclinação a que nada se opunha, nem a razão, nem a reflexão, nem qualquer outro motivo. Mas odeio toda espécie de fingimento. Tampouco me envergonham os sentimentos que lhe exprimi. São naturais e justos. Pode exigir de mim que me felicite pela inferioridade social dos seus parentes? Ou que me alegre com a esperança de me relacionar com pessoas de condição inferior à minha?
Elizabeth sentia a sua cólera crescer de momento a momento; apesar disso procurou falar com toda a calma:
— O senhor está enganado, Mr. Darcy. A sua atitude pouco cavalheiresca apenas me poupou o desgosto de recusar o seu pedido, se ele tivesse sido feito de outra forma.
Elizabeth percebeu que ele se sobressaltava ao ouvir estas palavras. Mas Mr. Darcy nada disse e ela prosseguiu:
— Eu o teria recusado de qualquer forma. Nada me poderia ter persuadido a aceitar a sua mão.
Novamente seu espanto foi evidente. Mr. Darcy olhou para Elizabeth com incredulidade e mortificação. Ela continuou:
— Posso dizer que desde o princípio, desde o primeiro instante quase em que o conheci, as suas maneiras me convenceram de que era um homem arrogante, retensioso, e de que tinha a maior indiferença pelos sentimentos dos outros. Esta impressão foi tão profunda que constituiu, por assim dizer, o alicerce sobre o qual os acontecimentos subseqüentes elevaram uma indestrutível antipatia; e talvez menos de um mês depois de conhecê-lo estava convencida de que o senhor seria o último homem no mundo com o qual eu me casaria.
— Não precisa acrescentar mais nada — disse Darcy. — Compreendo perfeitamente os seus sentimentos, e nada me resta senão me envergonhar dos meus. Perdoe-me ter tomado o seu precioso tempo, e aceite os meus mais sinceros votos de felicidade.

Orgulho e preconceito, Jane Austen.

3 comentários:

  1. Olha... acho que esse é o diálogo mais maravilhoso da literatura! Eu leio e releio e cada vez gosto mais! As personagens construídas pela Jane Austen são geniais! E o enredo mais ainda!

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  2. Olha, essa Elizabeth dá trabalho viu???

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