segunda-feira, 8 de abril de 2013

Assim te quero e vou ter...

(imagem retirada do google)
           
  "Ai, suspirou Tereza. Nas areias rolaram, as ondas molhavam seus pés, a aurora nascia da cor de Januário. Finalmente Tereza descobrira de onde provinha o aroma a perfumar o peito do gigante, não era senão a fragrância do mar. Tinha cheiro e gosto de mar.
  Por que não me queres? perguntara Tereza quando saíram de mãos dadas, correndo na praia para se afastarem do carro onde o chofer se rendera num ronco triunfal.
   Porque te quero e desejo, desde o instante primeiro em que te vi desatada em fúria, ali mesmo tombei vencido de amor; por isso me afasto e fujo, prendo minhas mãos, tranco a boca e afogo o coração. Porque te quero para a vida e não por um momento — ah! se pudesse te levar comigo, para casa nossa, no dedo te colocar anel de aliança, te levar de vez e para sempre! Ah! mas não pode ser.
   E por que não pode ser, mestre Januário Gereba? Com aliança ou sem aliança não me importa; em casa nossa e para todo sempre, isso sim. De mim sou livre, nada me prende e não desejo outra coisa.
   Eu não sou livre, Teta, carrego grilhetas nos pés; é minha mulher e dela não posso me separar, padece de doença cruel; eu a tirei da casa do pai onde tinha de um tudo e um noivo comerciante; sempre direita comigo, passou necessidades sem reclamar, trabalhando e sorrindo, sorrindo mesmo se a gente não tinha nem pra comer. Se pude comprar o saveiro foi porque ela ganhou para a entrada gastando a saúde na máquina de costura, dia e noite, noite e dia. Toda vida delicada, ficou fraca do peito, queria um filho não teve — nunca saiu de sua boca uma palavra de queixa. O que ganho com o saveiro vai na farmácia e no médico para prolongar a doença, não chega para acabar, não tem dinheiro que chegue. Quando tirei ela de casa, eu não passava de um vagabundo do cais, sem eira nem beira e sem juízo. A que eu amei e quis, a que roubei da família, das patacas do noivo, era sadia, alegre e bonita; hoje é doente, triste e feia mas tudo que ela tem sou eu, nada mais, mais ninguém, não vou largá-la na rua, no alvéu. Não te quero para .um dia, para uma noite de cama, para um suspiro de amor — para sempre te quero e não posso. Não posso tomar compromisso, carrego grilhetas nos pés, algemas nas mãos. Por isso jamais te toquei nem te disse amor de minha vida. Só que não tive coragem de fugir de uma vez, de não voltar, querendo guardar para sempre no fundo dos olhos tua face muçurumim, tua cor de malê, o peso de tua mão, tua altura de junco, a memória de tuas ancas. Para de tua lembrança me alimentar na solidão das noites de travessia, para olhar para o mar e nele te ver.
    Tu é direito, Januário Gereba, falou como um homem deve falar. Janu, meu Janu de grilhetas, que pena não possa ser de uma vez para sempre, em casa nossa e até a morte. Mas, se não pode ser para sempre, que seja por um dia somente, uma hora, um minuto! Um dia, dois dias, menos de uma semana, para mim esse dia, esses dois dias, essa curta semana tem o tamanho da vida multiplicado pelos segundos, pelas horas, pelos dias de amor, mesmo que depois eu me dane de saudade, de desejo, de solidão, e sonhe contigo todas as noites na danação do impossível. Mesmo assim paga a pena — eu te quero agora, agorinha, já, imediatamente, nesse mesmo instante, sem demora, sem mais tardança. Agora e amanhã e depois de amanhã, no domingo, na segunda e na terça, de madrugada, de tarde e de noite, na hora que for, na cama mais próxima, de paina, de barriguda, de terra, de areia, no madeirame do barco, na beira do mar, onde quer que seja e se possa nos braços um do outro desmaiar. Mesmo para depois maldita sofrer, ainda assim te quero e vou ter, Januário Gereba, mestre de saveiro, gigante, urubu-rei, marujo, baiano mais fatal e sem jeito."


Tereza Batista cansada de guerra - Jorge Amado

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