segunda-feira, 15 de abril de 2013

Medo nos olhos de Tereza, curso de completo de medo e respeito...


“Antes, porém, tentou fugir pela segunda vez. Descobriu ter sido suspensa a vigilância do cabra no corredor durante as idas e vindas de Guga. Na certa, o capitão, ao fim de dois meses de intenso tratamento, considerava-a suficientemente dobrada, submissa à sua vontade.
Constatada a ausência do capanga, Tereza outra vez investiu, metida na camisola de Dóris, ligeira como um bicho do mato. Não foi longe: aos gritos de Guga acorreram o capitão e dois cabras, cercaram-na nas aforas da casa, trouxeram-na de volta. Dessa vez o capitão mandou amarrá-la com cordas; fardo sem movimentos, de novo atirada no quarto.
Meia hora depois, Justiniano Duarte da Rosa apareceu à porta, riu seu riso curto, sentença fatal. Trazia na mão um ferro de engomar cheio de brasas. Levantou-o à altura da boca, soprou por detrás, voaram faíscas pelo bico, brilharam lá dentro os carvões acendidos. Passou o dedo na língua, depois no fundo do ferro, o cuspo chiou.
Arregalaram-se os olhos de Tereza, o coração encolheu e então a coragem lhe faltou, soube a cor e o gosto do medo. Tremeu-lhe a voz e mentiu:
— Juro que não ia fugir, só queria tomar banho, tou grossa de sujo.
Apanhara sem pedir piedade, calada, apenas o choro e os gritos; não rogara pragas, não xingara, enquanto tinha forças reagia e não se entregava. Chorou e consentiu, é certo; jamais, porém, implorara perdão. Agora, acabou-se:
— Não me queime, não faça isso, pelo amor de Deus. Nunca mais vou fugir, peço perdão; faço tudo que quiser, peço perdão. Pelo amor de sua Mãe, não faça isso, me perdoe, ai, me perdoe!
Sorriu o capitão ao constatar o medo nos olhos, na voz de Tereza; finalmente! Tudo no mundo tem o seu tempo e o seu preço.
A menina estava atada de cordas, deitada de barriga para cima. Justiniano Duarte da Rosa sentou-se no colchão diante das plantas nuas dos pés de Tereza. Aplicou o ferro de engomar primeiro num pé, depois no outro. O cheiro de carne queimada, o chiado da pele, os uivos e o silêncio de morte.
Depois de fazê-lo, o capitão a desamarrou; já não eram necessárias cordas e vigilância, cabra no corredor, fechadura na porta. Curso completo de medo e respeito, Tereza por fim obediente.Chupa, ela chupou. Depressa, de quatro e de costas. Depressa se pôs. Sozinha no mundo e com medo, Tereza Batista, argola no colar do capitão.”

Tereza Batista cansada de guerra
Jorge Amado

2 comentários:

  1. Não poderia deixar de postar aqui no blog as partes mais fortes do livro... Jorge Amado consegue com Tereza Batista criar uma mulher não apenas exuberante e guerreira, mas acima de tudo, humana. Quase todo o livro relata o viver de sofrimento dessa personagem, que mesmo em face de toda sorte de infortúnios, humilhações e violências não perde a esperança, está sempre disposta a ajudar os que estão ao seu redor e à busca da felicidade... Tereza Batista já é um dos meus personagens femininos favoritos da literatura brasileira!

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  2. Que escolha maravilhosa, Lu. Começarei em breve a leitura, parecer ser muito bom mesmo!

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