sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O remorso de Amaranta

Amaranta não saiu do quarto. Ouviu de sua cama o pranto de Úrsula, os passos e murmúrios da multidão que invadiu a casa, os uivos das carpideiras, e depois um profundo silêncio cheirando a flores pisadas. Durante muito tempo continuou a sentir o aroma de lavanda de Pietro Crespi ao entardecer, mas teve forças para não sucumbir ao delírio. Úrsula abandonou-a. Nem sequer levantou os olhos para se apiedar dela, na tarde em que Amaranta entrou na cozinha e pôs a mão nas brasas do fogão, até doer tanto que não sentiu mais a dor, e sim o fedor de sua própria carne chamuscada. Foi uma dose cavalar para o remorso. Durante vários dias andou pela casa com a mão metida numa caneca cheia de claras de ovo, e quando sararam as queimaduras era como se as claras de ovo tivessem cicatrizado também as úlceras do coração. A única marca externa que lhe deixou a tragédia foi a atadura de gase negra que pôs na mão queimada, e que haveria de usar até a morte.

Trecho de Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez.

2 comentários:

  1. "profundo silêncio cheirando a flores pisadas" Lindissimo!!

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  2. Nooossa,Gabi, era exatamente essa parte que eu ia destacar... que imagem forte!

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