segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Sem sentimentalismos

Ao amanhecer, depois de um conselho de guerra sumário, Arcadio foi fuzilado contra o muro do cemitério. Nas duas últimas horas de sua vida, não conseguiu compreender por que havia desaparecido o medo que o artomentara desde a infância. Impassível, sem se preocupar sequer em demonstrar a sua recente coragem, escutou as intermináveis culpas de acusação. Pensava em Úrsula, que a essa hora devia estar debaixo do castanheiro tomando café com José Arcadio Buendía. Pensava na sua filha de oito meses, que ainda não tinha nome, e no que ia nascer em agosto. Pensava em Santa Sofía de la Piedad, a quem na noite anterior deixara salgando um veado para o almoço de sábado, e sentiu saudade de seu cabelo caído nos ombros e das suas pestanas que pareciam artificiais. Pensava na sua gente, sem sentimentalismos, num severo ajuste de contas com a vida, começando a compreender quanto amava na realidade as pessoas que mais odiara. [...] Na escola arrebentada onde experimentou pela primeira vez a segurança do poder, a poucos metros do quarto onde conheceu a incerteza do amor, Arcadio achou ridículo o formalismo da morte. Realmente não se importava com a morte, e sim com a vida, por isso a sensação que experimentou quando pronunciaram a sentença não foi uma sensação de medo, mas de nostalgia.

Trecho de Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez.

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