quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Sem arrependimentos


Antes que o levassem ao paredão, o padre Nicanor tratou de dar-lhe assistência. " Não tenho nada do que me arrepender", disse Arcádio, e se colocou às ordens do pelotão depois de tomar uma xícara e café preto. O chefe do pelotão, especialista em execuções sumárias, tinha um nome que era muito mais do que uma casualidade: capitão Roque Carniceiro. A caminho do cemitério, debaixo de uma chuvinha persistente, Arcádio observou que no horizonte despontava uma radiante quarta-feira. A nostalgia se desvanecia com a neblina e deixava em seu lugar uma imensa curiosidade.Só quando mandaram que se pusesse de costas para o muro Arcádio viu Rebeca com os cabelos molhados e um vestido de flores rosadas, abrindo a casa de par em par.Fez um esforço para que o reconhecesse. E assim foi: Rebeca olhou por acaso para o muro e ficou paralisada de estupor, e mal conseguiu reagir ára fazer um gesto de adeus com a mão. Arcádio respondeu da mesma forma. Nesse instante apontaram para ele as bocas fumegantes dos fuzis, e ouviu letra por letra as encíclicas cantadas por Melquíades, e sentiu os passos perdidos de Santa Sofía de la Piedad, virgem, na sala de aula, e experimentou no nariz a mesma dureza de gelo que havia chamado sua atenção nas narinas do cadáver de Remédios. "Ai, caralho! - chegou a pensar- esqueci de dizer que se nascer mulher ponham o nome de Remédios." Então, concentrado num talho dilacerante, tornou a sentir o terror que o atormentou a vida inteira. O capitão deu a ordem de fogo. Arcádio mal teve tempo de inchar o peito e levantar a cabeça, sem compreender de onde fluía o líquido ardente que queimava suas coxas.

- Filhos da puta!-gritou- Viva o partido liberal!



Cem anos de solidão, Gabriel García Márquez

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