sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Um certo capitão Rodrigo

Trecho do Livro O continente de Érico Verríssimo



Antes de começar o ataque ao casarão, Rodrigo foi à casa do vigário.

- Padre! - gritou, sem apear. Esperou um instante. Depois:

- Padre! A porta da meiágua abriu-se e o vigário apareceu.

- Capitão! - exclamou ele, aproximando-se do amigo e erguendo a mão, que Rodrigo apertou com força.

Foi só pra saber se vosmecê estava aqui ou lá dentro do casarão.

Eu não queria lastimar o amigo...

Muito obrigado, Rodrigo, muito obrigado. - O Padre Lara sacudiu a cabeça, desalentado. - Vosmecê vai perder muita gente, capitão. Os Amarias são cabeçudos e têm muita munição.

- Eu também sou cabeçudo e tenho muita munição.

Por que não espera o amanhecer?

Rodrigo deu de ombros.

- Pra não deixar a coisa esfriar.

- Olhe aqui. Vou lhe dar uma idéia. Antes de começar o assalto, porque vosmecê não me deixa ir ao casarão ver se o Cel. Amaral consente em se render pra evitar uma carnificina?

- Não, padre. Não faças aos outros aquilo que não queres que te façam a ti. Não é assim que diz nas Escrituras? Se alguém me convidasse pra eu me render eu ficava ofendido. Um homem não se entrega.

- Mas não há nenhum desdouro. Isto é uma guerra entre irmãos.

- São as mais brabas, padre, são as mias brabas.

De cima do cavalo Rodrigo ouvia a respiração chiante e dificultosa do sacerdote. Lembrou-se das muitas conversas que tiveram noutros tempos.

- Vosmecê é um homem impossível... - disse o padre, desolado.

- Acho que esta noite vou dormir na cama do velho Ricardo.

- Sorriu. - Mas sem a mulher dele, naturalmente... E amanhã de manhã quero mandar um próprio levar ao chefe a notícia de que Santa Fé é nossa. A Província toda está nas nossas mãos. Desta vez os legalistas se borraram! Até logo, padre.

Apertaram-se as mãos.

- Tome cuidado, capitão. Vosmecê se arrisca demais.

- Ainda não fabricaram a bala que há de me matar! - gritou Rodrigo, dando de rédea.

- A gente nunca sabe - retrucou o padre.

- E é melhor que não saiba, não é?

- Deus guie vosmecê!

- Amém! - replicou Rodrigo, por puro hábito, pois aprendera a responder assim desde menino.

O padre viu o capitão dirigir-se para o ponto onde um grupo de seus soldados o esperava. A noite estava calma. Galos de quando em quando cantavam nos terreiros. Os galos não sabem de nada - refletiu o padre. Sempre achara triste e agourento o canto dos galos. Era qualquer coisa que o lembrava da morte. Voltou para casa, fechou a porta, deitou-se na cama com o breviário na mão, mas não pôde orar.

Ficou de ouvido atento, tomado duma curiosa espécie de medo. Não era medo de ser atingido por uma bala perdida. Não era medo de morrer. Não era nem medo de sofrer na carne algum ferimento. Era medo do que estava para vir, medo de ver os outros sofrerem. No fim de contas - se esmiuçasse bem - o que ele tinha mesmo era medo de viver, não de morrer.

4 comentários:

  1. Lembrei de vc Gabi! Tava lendo uns trechos da obra do Veríssimo e resolvi postar.

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  2. Noooooooooooossa, eu QUERO ler esse livro!

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  3. Não dou conra da minha ALEGRIA ao ver Érico aqui!Lu, só você mesmo!!ALEGROU meu dia!!

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