quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O Açúcar



O branco açúcar que adoçará meu café
Nesta manhã de Ipanema
Não foi produzido por mim
Nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro
E afável ao paladar
Como beijo de moça, água
Na pele, flor
Que se dissolve na boca. Mas este açúcar
Não foi feito por mim.

Este açúcar veio
Da mercearia da esquina e
Tampouco o fez o Oliveira,
Dono da mercearia.
este açúcar veio
De uma usina de açúcar em Pernambuco
Ou no Estado do Rio
E tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana
E veio dos canaviais extensos
Que não nascem por acaso
No regaço do vale.

Em lugares distantes,
Onde não há hospital,
Nem escola, homens que não sabem ler e morrem de fome
Aos 27 anos
Plantaram e colheram a cana
Que viraria açúcar.
Em usinas escuras, homens de vida amarga
E dura
Produziram este açúcar
Branco e puro
Com que adoço meu café esta manhã
Em Ipanema.

Ferreira Gullar

4 comentários:

  1. Esse poema é simplesmente maravilhoso. Incrível. O Ferreira Gullar deve ter se esquecido dele quando decidiu apoiar o Serra nas eleições...

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  2. Gente, já tinha lido esse poema em algum lugar!!Belíssimo, Van!!

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  3. Muito bom esse poema! Infelizmente, ainda é essa a realidade de muitos países, inclusive o Brasil: pessoas são exploradas para a produção que somente alguns iram usufruir. Um país dual e injusto, divido entre uma maioria miserável e uma minoria rica.

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  4. Eu também já tinha lido antes, e ele é simplesmente maravilhoso! Tem uma mensagem muito forte, pena que verdadeira... A realidade do Brasil, infelizmente, é esta.

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