sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Canto do homem marcado.



Sou um homem marcado ...
Em país ocupado
Pelo estrangeiro.
Sou marinheiro
Desembarcado;
Marcho na bruma das madrugadas;
                                                    Mas-
Trago das águas
A substância
Da claridade.
DA CLARIDADE!
Sou o indefinido,
O inesperado
Viajante da tarde nua,
Que uma dor augusta comoveu ...

Tudo a renuncia,
                        Tudo
O que eu conservo
De altivo e puro,
Sob o meu manto adormeceu.

Em outros tempos e antigos
Plantei alfaces, vendi craveiros,
Fui hortelão, fui jardineiro;
E a escura terra ...
                            Terra
Dos meus canteiros,
Sempre arqueava o dorso
Ao gesto amigo
De minha mão.

Hoje provo, na boca, um desgosto,
Hoje tenho, no sangue, um sinal
Que não foi e não é das algemas
Da prisão da Vida,
Nem do jugo da Terra,
Nem do pecado original.
Muito bem sei, senhores,
Que sou um sonho cravado na morte,
Que sou um homem ferido no olhar ...
E que trago, bem viva, entre as nódoas do mundo,
A mancha do meu país natal.

Sou um homem manchado de sombra
No sonho, no sangue, no olhar,
Sou um homem marcado ...
Em país ocupado
Pelo estrangeiro.

Mas esta marca temerária
Entre a cinza das estrelas
Há de um dia se apagar!
Por isso é que me amparo às mãos dispersas da noite ...
E pelos pés difusos do vento é que marcho
Na bruma das madrugadas ...
Trazendo das águas a substância
Da claridade
E um cheiro manso
De manhã fria ...

Oh! Soledade!
Oh! Harmonia!


Joaquim Cardozo.

4 comentários:

  1. Não sei porque, mas quando li esse poema o imaginei numa praia, então escolhi essa imagem...

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  2. Gente, olha a força desse poema, que coisa incrível! Fiquei com vontade de analisá-lo, vejam só esses versos:
    "Sou um homem marcado...
    Em país ocupado
    Pelo estrangeiro
    [...]
    que trago, bem viva, entre as nódoas do mundo,
    A mancha do meu país natal."

    Produção literária em condição periférica!

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  3. Tive que ler duas vezes pra sugar tudo que esse poema oferece!!Riquissimo!!

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  4. Realmente esse poema marca muito bem a condição periférica da literatura e do homem latino-americano. Temos que trazer ao blog mais poemas como esse!

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