"Ler Clarice é viver em permanente estado de paixão.
Ler Clarice exige uma mudança de postura do leitor no modo pelo qual ele se aproxima do texto. É que o texto de Clarice pede uma escuta atenta, uma entrega de quem o lê. Clarice fala de coisas presentes no nosso dia-a-dia, o modo pelo qual reagimos aos acontecimentos mais banais, como andar na rua, olhar-se ao espelho ou conversar com um amigo. Ela nos mostra, também, outras coisas vivenciadas interiormente, aqueles momentos sem palavras dos quais só o nosso coração testemunha. Clarice escreve textos como quem vai desvelando a realidade, sondando os gestos, os olhares; tudo tão sutilmente que quando o leitor se dá conta vê-se diante de um instante mágico, especial, ao reconhecer a sua vida, a si mesmo, através daquelas palavras.
Ler Clarice é uma oportunidade de mudar o seu olhar diante do universo. É estar disponível para se aventurar no seu interior de forma irracional, sem censuras. Deixar-se levar pela imaginação, pela intuição e usá-las como forma de conhecimento.
Ao publicar A paixão segundo G.H., Clarice escreveu uma pequena nota introdutória onde pedia que este livro só fosse lido por pessoas de alma já formada. Isso mostra até que ponto pode-se absorver o que o seu texto diz. Ao ler Clarice deve-se estar disposto a aceitar o não entendimento de determinados processos da vida. Clarice dizia: “Suponho que entender não seja uma questão de inteligência, mas uma questão de sentir, de entrar em contato.” Isso faz parte do caminho aberto pelo seu texto. Cada leitor contém a sua bagagem particular de experiências, sensações, acionadas no momento da leitura; Clarice sabe disso e valoriza estas particularidades. Seu texto é um convite permanente ao "viver ultrapassa todo o entendimento" (palavras de Clarice).
Clarice escreveu crônicas, contos, romances, livros infantis, reportagens, páginas femininas, uma peça teatral, enfim, exercitou-se em diferentes registros de textos, mas imprimiu sua marca em todos eles: o texto interroga, faz o natural parecer sobrenatural, imprime um sentido ainda desconhecido por nós.
Viver essa experiência de ser leitor de Clarice é uma aventura no que ela tem de imprevisível, surpreendente, perigoso, ao mesmo tempo é um presente porque quando se está lendo Clarice você se sente especial dentro deste universo criado por ela. Especial porque você consegue se reconhecer como um ser humano cheio de limitações, sujeito às adversidades da vida, ao fracasso, às crises, mas também capaz de trilhar um caminho repleto de descobertas, de sustos, de grandes alegrias, de momentos de êxtase, vertigens, delírios.
Ler Clarice é a possibilidade de viver intensamente o que se é."
Teresa Monteiro, doutora em Letras pela PUC-Rio, autora de Eu sou uma pergunta – uma biografia de Clarice Lispector (1999), organizadora de Correspondências – Clarice Lispector (2002), Outros escritos e Aprendendo a viver imagens.
Nooossa, maravilhoso esse texto! Ler Clarice é isso mesmo que ela fala: vc se descobre, pois se dá conta de suas próprias limitações ao mesmo tempo em que vê como é infinito, diverso, muitos...!
ResponderExcluirMuito, muitoo bom mesmo! O segundo parágrafo do texto diz tudo já.
ResponderExcluir"Clarice escreve textos como quem vai desvelando a realidade, sondando os gestos, os olhares; tudo tão sutilmente que quando o leitor se dá conta vê-se diante de um instante mágico, especial, ao reconhecer a sua vida, a si mesmo, através daquelas palavras
Nossa, adorei!!!
ResponderExcluirLer Clarice é mudança, movimento! Rompimento de tudo que te sustenta e construção de novos pilares constantemente renovados! Aventura!
É perigoso e pode doer, mas é também incrivelmente prazeroso e inexplicavelmente mágico! Clarice é espelho! É deformidade e transfiguração.
Sinto a mesma coisa Lu.... ler Clarice é se olhar profundamente, é liberdade, é delicioso!!
ResponderExcluir