quarta-feira, 28 de abril de 2010

O mistério da poesia

Há na arte, como nas coisas, uma margem de inexplicável. Certas imagens poéticas são a parte do inexplicável, a brusca invasão do mistério no campo do racional. A nossa resposta depende, naturalmente, do sentimento que tivermos dessa parte irredutível do espírito e do mundo, que cerca de todos os lados a nossa pequena ilha de razão e clareza. Devemos, creio eu, aceitar esse tipo de obscuridade, pois ela é uma das maneiras por que se afirma a consciência artística – criando o mistério à imagem do próprio mistério e dando ao artista uma força de penetração além da visão comum.
A atitude assumida por nós diante do hermetismo depende da educação do gosto e da nossa compreensão do fenômeno artístico. Se atentarmos para o fato de que a obscuridade se torna, a mais das vezes, opaca e indevassável devido apenas à nossa falta de simpatia poética; se nos lembrarmos, sobretudo, que a seu tempo todos os grandes criadores de poesia (hoje considerados cristalinos) foram acusados de incompreensíveis – nos convenceremos que nós é que devemos chegar até a poesia, e não esperar que ela chegue até nós, como um refresco que nos trazem para bebermos sem esforço, comodamente sentados.
Em poesia, a incompreensão é devida em parte ao fato de não haver unidade nem sincronia no espírito do leitor. Nos nossos dias, a maioria dos leitores ainda tem a sensibilidade encalhada na fase parnasiana. (...) É uma fatalidade irremediável. Um tipo de poesia só penetra a média dos leitores quando já vai deixando de ser nova e cedendo lugar a um tipo mais adiantado. Circunstância que nos deve convidar à modéstia e, antes de renegar um poema (“futurista idiota!”), nos fazer lembrar de que as nossas avós acharam Bilac totalmente ilegível e não hesitaram em jogar fora qualquer livro de Alphonsus de Guimaraens. Habitualmente lemos para não fazer esforço e gostamos de encontrar o que já esperávamos. Daí a irritação que nos toma ao encontrarmos uma novidade atrevida no meio da nossa rotina. E daí a necessidade que têm os inovadores de acentuar, carregar as tintas e contundir com certa violência a inércia do nosso comodismo estético.


Extraído de "Notas de crítica literária - duas notas sobre poética", de Antonio Candido.

P.S.: um post bem "nerds" para gente relembrar as aulas da Ana Laura e do Hermenegildo :)

2 comentários:

  1. nossos professores iam morrer de orgulho!esse blog ta cada vez melhor!

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  2. hahaha! eu sinto saudades desses "tempos de reificação" com Ana Laura e Hermenegildo.
    Muito bom, Mel! Com ctz, nosso professores ficariam orgulhosos com esse nosso blog super cult!

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