quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Hora interminável

Tudo fazia crer que Amaranta se orientava para uma felicidade sem tropeços. [...] Sua hora chegou com as chuvas aziagas de outubro. Pietro Crespi tirou-lhe do colo o cesto de costura e apertou-lhe a mão entre as suas. "Não aguento mais esta espera", disse a ela. "Nós casamos no mês que vem". Amaranta não tremeu ao contato de suas mãos de gelo. Retirou a sua, como um animalzinho em fuga e voltou ao trabalho.
- Não seja ingênuo, Crespi - sorriu - nem morta eu me caso com você.
Pietro Crespi perdeu o domínio de si mesmo. Chorou sem pudor, quase quebrando os dedos de desespero, mas não conseguiu comovê-la. [...] Passava o dia nos fundos da loja, escrevendo bilhetes desatinados, que fazia chegar a Amaranta com membranas de pétalas e borboletas embalsamadas, e que ela devolvia sem abrir. Trancava-se durante horas tocando cítara. Certa noite cantou. Macondo acordou numa espécie de êxtase, angelizado por uma cítara que não podia ser deste mundo e uma voz que não se podia conceber que existisse na terra, tão cheia de amor. Pietro Crespi viu então a luz acesa em todas as janelas do povoado, menos na de Amaranta. A dois de novembro, dia de todos os mortos, seu irmão abriu a loja e encontrou todas as luzes acesas e todas as caixas de música abertas e todos os relógios travados numa hora interminável, e no meio daquele concerto disparatado encontrou Pietro Crespi no escritório dos fundos da loja com os pulsos cortados a navalha e as duas mãos metidas numa bacia de benjoim.

Trecho de Cem anos de solidão, de Gabriel García Márquez.

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