quinta-feira, 30 de setembro de 2010

"Quem sou eu"


Com uma vitalidade que parecia impossível em sua idade, Úrsula tinha voltado a rejuvenescer a casa."Agora vocês vão ver quem sou eu", disse quando ficou sabendo que seu filho viveria."Não haverá casa melhor, nem mais aberta a todo mundo, do que esta casa de loucos." Fez com que fosse lavada e pintada, mudou os móveis, restaurou o jardim e plantou flores novas, e abriu portas e janelas para que a deslumbrante claridade do verão entrasse até os dormitórios. Determinou o fim dos numerosos lutos superpostos, e ela mesma trocou as velhas roupas vigorosas por outras, juvenis. A música da pianola voltou a alegrar a casa. Ao ouvi-la, Amaranta se lembrou de Pietro Crespi, de sua gardênia crepuscular e seu cheiro de lavanda, e no fundo do seu coração murcho floresceu um rancor limpo, purificado pelo tempo. Na tarde em que tratava de pôr a sala em ordem, Úrsula pediu ajuda aos soldados que custodiavam a casa. O jovem comandante da guarda autorizou. Pouco a pouco, Úrsula foi dando a eles novas tarefas. Convidadava para comer, dava roupas e sapatos de presente, ensinou-os a ler e escrever. Quando o governo suspendeu a vigilância, um deles ficou morando na casa, e ali prestou serviço durante muitos anos. No dia do Ano-Novo, enlouquecido pelos desprezos de Remédios, a Bela, o jovem comandante da guarda amanheceu morto de amor debaixo de sua janela.


Cem anos de solidão, Gabriel García Márquez

3 comentários:

  1. Gente, nao me canso desse livro! Que livro DELICIA de ler!!

    ResponderExcluir
  2. "e no fundo do seu coração murcho floresceu um rancor limpo, purificado pelo tempo"
    Gabriel García Márquez cria umas imagens maravilhosas!

    ResponderExcluir
  3. Eu ia postar essa mesma parte HOJE! haahiahihiahia

    ResponderExcluir