terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Pequeno eucalipto - PARTE I

de Vladimir Souza Carvalho


O marido a surpreendeu assim, deitada na grama em agradável contato com as plantas.
– Ora, amor, o almoço na mesa e você aí…
A espontaneidade da esposa o comoveu:
– Agora sou uma rosa branca. Ontem fui uma dália. Amanhã serei um girassol.
A surpresa poderia ter ficado aí, se o fato não tivesse se tornado repetitivo. Todo dia a mesma cena. A magnólia de hoje era uma margarida amanhã. O alimento era o sol que esquentava as pétalas. O seu mundo era o verde do jardim.
A visita do síndico no local de trabalho o deixou encabulado. A conversa calma, sem pressa. Os moradores desconfiados de alguma anormalidade. Os empregados do condomínio a reclamarem da presença permanente de sua esposa a machucar a grama. Depois, deitar-se na grama… Por ele, síndico, não. Achava até bonito a mulher deitada na grama, a conversar com as plantas. Mas os moradores estavam espantados e indignados. Uns riam, outros criticavam. Ele temia uma manifestação contrária à permanência de sua senhora no jardim. Daí fazer a visita para pedir o apoio, compreender a sua posição de síndico, responsável pela manutenção da ordem e tranquilidade do condomínio, tarefas que, contra a vontade, terminara por aceitar, contando-lhe a história da eleição, pormenor por pormenor.
O marido baixou a cabeça. Levaria a esposa ao médico. Aquilo podia ser um problema passageiro. A falta de filhos, talvez, ou talvez a morte do pai, em choque com um caminhão, o rosto recebendo o óleo quente do motor a lhe queimar a pele, a ponto do caixão permanecer fechado. Talvez, talvez. Não sabia. Desculpasse. Andava encabulado, sem fitar ninguém no condomínio, período que seria, podia confiar, passageiro. O médico, contudo, recomendou liberdade de ação.
Deixar que ela desse completa evasão aos seus desejos reprimidos. Algum trauma de infância, quem sabe, não vencido a tempo. Às vezes, um fato ligado ao sexo, ou relacionado a outra ocorrência que agora vem à tona na forma de um comportamento ativo ou passivo. Assim os entendidos pregavam. Dê-lhe apoio. Que não a criticasse. Que a deixasse fazer o que quisesse. Aquilo não seria eterno. Em lugar de reprimir, permitir. Encarar o fato com naturalidade. Recomendou uma casa com um grande jardim. Quem sabe se isso não a curaria?

Nenhum comentário:

Postar um comentário