terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Pequeno eucalipto - PARTE II

de Vladimir Souza Carvalho




O marido aceitou o conselho. Trocou o apartamento por uma casa, jardim imenso, árvores copudas, muita sombra e muito verde, espaço como o quê para a esposa caminhar, explorar, viver, conhecer, um mundão pela frente, com a vantagem de poder ficar longe dos olhares dos condôminos de seu edifício. Chatos eles, chato o síndico, com sua conversa mansa, a tocar na sua ferida de forma tão crua, sem respeitar o problema que estava passando.
Ela viu a casa. Não caminhava. Bailava. De canteiro em canteiro, alisando a grama, beijando as folhas de onze horas, das dálias, dos crisântemos, das orquídeas, das damas-da-noite, dos véus-de-noiva. As mãos acariciando as papoulas, os cravos, os jasmins, as cabritas, os sorrisos, as gérberas, as tulipas. Aqui e ali um abraço demorado nas algarobas. O sorriso estampado no rosto. O marido quase chora de emoção. A felicidade da esposa lhe contagiava.
O jardim seria seu mundo, grande, verde, bonito, bem cultivado. Ele se sentiu recompensado pela mudança. O médico fora feliz na receita. Acertara em cheio.
Não demorou muito tempo se viu obrigado a voltar ao consultório. O problema não se resolvera. Ao contrário, inchara e estava maior. Agora era a mulher que não saía do jardim, esquecida da casa, das suas obrigações. Não visitava ninguém, não se interessava por nenhuma novidade, não comprava roupa de espécie alguma, o que fazia antes de tudo aquilo ter início. As plantas já têm sua roupa especial, dizia. Aliás, para bem da verdade, só entrava em casa para dormir, assim mesmo forçada pelo marido. De manhã cedo, antes do sol se pôr fora do ninho, já estava no jardim, a molhar os dedos com o orvalho que as folhas guardavam. Era o seu desjejum.
Novamente ele foi ao médico. Narrou o ocorrido. O médico anotando, terminando por lhe recomendar que passasse uma temporada em um sítio, numa chácara, mais espaço, mais verde, quem sabe se não é, enfim, o ambiente adequado para ela. Se a casa com grande jardim não resolveu, o sítio, em plena zona rural, vai ser a solução. O marido acreditou. E assim fez, de acordo com a recomendação médica. A mulher vibrou. Um quadrado de cem tarefas. A casa no alto, construção nova, larga, com muitos quartos e salas, terreiro oferecendo uma visão ampla da propriedade, pequeno curral de lado, muita árvore – barriguda, mariabranca, juremeira, muricizeiro, quarana, burra-da-mata, setecasco, ingá –, capim nativo para todo lado, misturado com mata rasteira (mimo-do-céu, bananeira brava, melanciade-praia, matapasto, juiz-de-paz, capeba) se espalhando por todos os lados. Uma plantação desativada de abóboras. Um gigantesco formigueiro que veneno nenhum acabava, conforme o corretor explicou. Era o único ponto negativo naquela área toda cercada. Um riacho passando perto da cerca, a água fria escorrendo lentamente. Orquídeas nativas se mantinham em pé em ramos que se arrastavam por longos metros. Que alegria, meu Deus! Se ela vibrou, ele nem se fala. Desta vez, chorou encostado ao mourão da cancela, feliz por vê-la sorridente por ter o sítio como nova morada. A felicidade era tão radiante que o otimismo explodiu. Pela primeira vez, ele admitiu a cura, com a fé em São Francisco de Assis. O sorriso no rosto da mulher assumia, sem que o marido percebesse bem, a forma de uma flor.

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