terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Um possível Natal futuro...

"– Cobertores dele? – perguntou Joe. 
– De quem mais podiam ser? – respondeu a mulher. Tenho a impressão de que a esta hora já não tem medo de passar frio. 
– Espero que não tenha morrido de moléstia contagiosa? – perguntou Joe interrompendo o seu inventário e erguendo os olhos para ela. 
– Sei lá! Eu não tenho medo, – replicou a mulher. A sua companhia não era assim tão agradável para que eu andasse vendo o que ele tinha. Oh, pode morrer de olhar para essa camisa, que não achará um rasgão, um rustido. Era a que ele tinha de mais resistente e mais bonita. Sem mim, ela estaria perdida. 
– Perdida? Como assim? 
– Sim, teria sido enterrado com ela, – disse a mulher. Não sei quem teve a estúpida idéia de a vestir nele, mas eu tornei a tirá-la. Se a chita não serve para mortalha, então não serve para nada. Olhe que não podia ser mais feio do que era com esta camisa. 
Scrooge ouvia este diálogo horrorizado. 
Aqueles indivíduos agrupados em redor de sua presa, à miserável claridade da lamparina do velho, inspiravam-lhe um ódio e uma repugnância indescritíveis, apenas menos violentos, talvez, do que se tivessem sido imundos demônios em disputa do seu próprio cadáver. 
– Ah! ah! ah! – gargalhou ruidosamente a mulher, quando o velho Joe, apresentando um saco de flanela cheio de dinheiro, pôs no chão a quantia que tocava a cada um. 
– Ah! ah! ah! Ele, em vida, – continuou a mulher –, mandou toda a gente passear, com o único fim de nos proporcionar alguns pequeninos lucros depois de sua morte. Ah! ah! ah! 
– Espírito, – disse Scrooge tremendo da cabeça aos pés, agora compreendo, agora compreendo. A sorte deste infeliz poderia ter sido a minha, e é exatamente a isso que conduz uma vida como a que levo. Deus do céu! Que é aquilo? 
Scrooge recuou, apavorado. 
A cena era completamente outra. Estava agora à cabeceira de uma cama, uma cama sem cortinas, sobre a qual jazia, envolto num pano rasgado, uma forma cuja muda imobilidade era um lúgubre libelo contra a natureza. 
O quarto estava escuro, bastante escuro para que se lhe pudessem distinguir os detalhes, embora Scrooge olhasse para todos os lados, ansioso por descobrir aquilo que tal escuridão envolvia. 
Uma pálida claridade vinda do exterior incidiu sobre o leito onde, pilhado, roubado, sem ninguém que o velasse, sem um amigo para chorá-lo, no meio do mais absoluto abandono, jazia o corpo deste homem. 
Scrooge olhou para o fantasma, e viu que a mão apontava para a cabeça do morto. O lençol que a envolvia estava colocado de tal maneira que bastava levantar-lhe uma das pontas para descobrir o rosto do defunto. 
Scrooge pensou em fazê-lo, mas, ao tentá-lo, verificou que para realizar este facílimo gesto se achava tão impotente quanto para despedir o espectro que continuava de pé a seu lado."


Trecho de Um conto de  natal, de Charles Dickens. 

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