terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Olhos de ressaca


- Deixe ver os olhos, Capitu.
Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, "olhos de cigana oblíqua e dissimulada". Eu não sabia o que era oblíqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira; eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas. [...]
Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra de dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá idéia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, com a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa buscava as pupilas, e a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando evolver-me, puxar-me e tragar-me. Quantos minutos gastamos naquele jogo? Só os relógios do céu terão marcado aquele tempo infinito e breve.

Dom Casmurro. Machado de Assis

3 comentários:

  1. Essa expressão "olhos de ressaca" é o máximo. Olhos que arrastam as pessoas para dentro. TUDO!

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  2. Pra mim essa é a parte mais bonita de Dom Casmurro... de longe!

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