quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

O gosto do sacrifício




"Em casa, brincava de missa - um tanto às escondidas, porque minha mãe dizia que missa não era coisa de brincadeira. Arranjávamos um altar, Capitu e eu. Ela servia de sacristão, e alterávamos o ritual, no sentido de dividirmos a hóstia entre nós; a hóstia era sempre um doce. No tempo em que brincávamos assim, era muito comum ouvir à minha vizinha: "Hoje há missa?" Eu sabia o que isto queria dizer, respondia afirmativamente e ia pedir hóstia por outro nome. Voltava com ela, arranjávamos o altar, engrolávamos o latim e precipitávamos as cerimônias. Dominus, non sum dignus...¹ Isto, que eu devia dizer três vezes, penso que só dizia uma, tal era a gulodice do padre e do sacristão. Não bebíamos vinho nem água; não tínhamos o primeiro, e a segunda viria tirar-nos o gosto do sacrifício"


Trecho de Dom Casmurro, de Machado de Assis. 




¹Dominus, non...: citação de um trecho da missa católica: "Senhor, eu não sou digno (de que entreis em minha casa)"

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