terça-feira, 5 de julho de 2011

Pedido de casamento: Mr Collins

(Trecho do capítulo XIX, em que o primo Collins pede a mão de Lizzy em casamento)

Acredite, minha cara Miss Elizabeth, que a sua mo­déstia, longe de prejudicá-la, acrescenta mais uma às suas outras perfeições. A senhora teria sido menos adorável aos meus olhos se não tivesse havido essa pequena resistência. No entanto, per­mita que lhe assegure que tenho a permissão da sua respeitável mãe para este empreendimento. A senhora dificilmente poderá ignorar o verdadeiro sentido das minhas palavras. No entanto, a sua natural delicadeza pode levá-la a dissimular. As minhas atenções foram marcadas demais para serem mal compreendi­das. Quase desde o primeiro momento em que entrei nesta casa escolhi-a para companheira da minha vida futura. Antes de me deixar levar pelos meus sentimentos a este respeito, talvez convenha dizer-lhe as razões que tenho para me casar e além disso os motivos que me trouxeram ao Hertfordshire com o propó­sito de escolher uma esposa.

A idéia de que Mr. Collins, com toda a sua solenidade, pudesse ser levado pelos sentimentos provocou no espírito de Elizabeth tamanha hilariedade, que ela não pôde utilizar a curta pausa que se seguiu a fim de procurar detê-lo. Ele prosseguiu:

Minhas razões para casar são: primeiro, penso que é uma obrigação de todos os pastores que se encontrem em boa situação, como eu, dar bom exemplo à sua paróquia. Em segun­do lugar estou convencido de que isto contribuirá grandemente para a minha felicidade. E o terceiro motivo, que eu devia tal­vez ter mencionado primeiro, é o conselho e a expressa reco­mendação da muito nobre senhora que eu tenho a honra de chamar a minha protetora. Duas vezes ela condescendeu em dar-me a sua opinião sobre este assunto, sem que eu lhe pedis­se. [...] Resta-me explicar por que lancei as minhas vistas sobre Longbourn de preferência ao lugar onde resido, em que, posso lhe assegurar, encontraria muitas moças encantadoras. Mas o fato é que, sendo eu o herdeiro do seu honrado pai, que no entanto pode ainda viver longos anos, achei que era do meu dever escolher uma esposa entre as suas filhas, para que o prejuízo destas pessoas possa ser o menor possível, quando aquele triste acontecimento tiver lugar; o qual entretanto, como eu já disse, pode demorar ainda muitos anos. Este foi o meu motivo principal, minha estimada prima, e estou certo de que ele não me diminuirá aos seus olhos. E agora nada me resta senão lhe exprimir, na linguagem mais apaixonada, a violência da minha afeição. Sou perfeitamente indiferente à for­tuna e não farei nenhuma exigência dessa natureza a seu pai, pois sei perfeitamente que ela não poderia ser atendida. Sei também que as mil libras a quatro por cento, que só serão suas depois da morte de sua mãe, são tudo a que a minha prima tem direito. Sobre esse assunto, portanto, eu me conservarei silen­cioso. Pode ficar certa de que nenhuma observação pouco ge­nerosa atravessará os meus lábios depois que nos casarmos.

Tornava-se agora absolutamente necessário interrompê-lo.

O senhor está se precipitando — exclamou Elizabeth. — Esquece que ainda não lhe dei uma resposta. É o que vou fazer, sem mais perda de tempo: aceite os meus agradecimen­tos pela honra que está me dando. Creia que o aprecio devida­mente, mas é-me impossível fazer outra coisa senão recusar.

Não é preciso que me ensine — replicou Mr. Collins, com um largo gesto da mão — que as moças costumam rejei­tar as propostas do homem que secretamente tencionam aceitar, da primeira vez em que são feitas; e que às vezes até esta re­cusa se repete duas ou três vezes. Portanto, não estou absolu­tamente desencorajado pelo que acabou de dizer e espero den­tro em breve conduzi-la ao altar.

Digo-lhe sinceramente — exclamou Elizabeth — que a sua esperança me parece extraordinária depois da minha de­claração. Asseguro-lhe que não sou dessas moças, se é que exis­tem, que cometem a ousadia de arriscar a sua felicidade con­fiando nas possibilidades de um segundo pedido. Minha recusa é perfeitamente séria. O senhor não me poderia tornar feliz. E estou convencida de que sou a última mulher do mundo ca­paz de fazê-lo feliz. Creio até que se a sua amiga Lady Cathe­rine me conhecesse me acharia sob todos esses aspectos mal qua­lificada para essa situação.

Se eu tivesse certeza de que Lady Catherine pensaria assim... — disse Mr. Collins muito gravemente. — Mas não posso crer que Sua Senhoria desaprovasse a minha escolha. E pode ficar certa de que, quando tiver a honra de tornar a vê-la, falarei com todo o entusiasmo na sua modéstia, economia e outras estimáveis qualidades.

Asseguro-lhe, Mr. Collins, que todos esses elogios se­rão desnecessários. É preciso que me conceda a licença de jul­gar por mim mesma e me faça o favor de acreditar no que digo. Desejo que se torne muito rico e muito feliz e, recusando-lhe a minha mão, faço tudo que está em meu poder para auxiliá-lo a atingir os seus fins. Fazendo-me este oferecimento, já teve ocasião de mostrar a delicadeza dos seus sentimentos e pode portanto tomar posse da propriedade de Longbourn quando o meu pai morrer, sem nenhum escrúpulo. O assunto pode ser considerado encerrado.

E dizendo estas palavras Elizabeth se levantou e teria saí­do da sala se Mr. Collins não tivesse se dirigido a ela:

Quando eu tiver a honra de lhe falar pela segunda vez neste assunto, espero receber uma resposta mais favorável. Longe de mim, no entanto, acusá-la de crueldade neste momen­to, pois sei que é um costume do seu sexo rejeitar as primeiras propostas de um homem. E penso que me deu agora todos os encorajamentos compatíveis com a verdadeira delicadeza do ca­ráter feminino.

Realmente, Mr. Collins — gritou Elizabeth, com vivacidade —, o senhor me surpreende. Se o que eu lhe disse até agora pode lhe parecer um encorajamento não sei de que ma­neira lhe exprimir a minha recusa de maneira a torná-la con­vincente.

Peço licença, minha encantadora prima, para aceitar a sua recusa apenas como uma questão de palavras. Minhas ra­zões para acreditar nisto são em suma as seguintes: não me pa­rece que a minha mão seja indigna da sua pessoa, nem tampou­co a situação que posso oferecer-lhe. Minha posição na vida, minhas relações com a família De Bourgh e meu parentesco com a sua são circunstâncias que falam altamente em meu favor. E além disso a minha prima devia tomar em consideração tam­bém que, apesar dos seus muitos atrativos, não é certo que outra proposta de casamento lhe seja feita. O seu dote é infe­lizmente tão pequeno que provavelmente contrabalançaria os efeitos da sua beleza e das suas qualidades. Devo portanto con­cluir que ao me rejeitar não está falando seriamente e prefiro atribuir a sua recusa ao desejo de aumentar o meu amor, dei­xando-me na incerteza, de acordo com os costumes habituais das mulheres elegantes.

Asseguro-lhe que não tenho quaisquer pretensões a esta espécie de elegância, que consiste em torturar e atormentar um homem respeitável. Prefiro que me dê a honra de acreditar na minha sinceridade. Repito os meus agradecimentos pela gran­de honra que me deu, mas é-me inteiramente impossível acei­tá-lo. Todos os meus sentimentos o impedem. Posso falar mais claramente: não me considere uma mulher elegante que tem a intenção de atormentá-lo, mas uma criatura racional, falando a verdade do coração.

A minha prima é um encanto! — exclamou ele, com um ar de desajeitada galanteria. — Estou persuadido de que, depois de sancionadas pela autoridade expressa de seus exce­lentes pais, minhas propostas não poderão deixar de se tornar aceitáveis.

Contra tal perseverança na vontade de se iludir, Elizabeth nada poderia fazer. Imediatamente se levantou e saiu, determi­nada, caso ele persistisse em considerar as suas repetidas recu­sas como suaves encorajamentos, a apelar para o pai, cuja re­cusa podia ser decisiva e cuja atitude Mr. Collins não poderia tomar como afetação e artifício de mulher elegante.

Orgulho e preconceito, Jane Austen.

3 comentários:

  1. Esse diálogo é muito bom. Mais atual, impossível. A atitude do Mr Collins é ridícula, e infelizmente muito comum até hoje. O que mais por aí tem é homem que se acha TANTO que não aceita a rejeição e considera como "frescura" e "doce" o fato de a mulher não querer nada com ele. Virei fã número 1 da Lizzy!

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  2. Excelente diálogo!!Tb acho oq a Mel disse, mas confesso que acredito que as mulheres lidam ainda pior com a rejeição. Muito pior!!!É o famoso: como assim ele não gosta de mim??sera que ele é gay??

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  3. Esse diálogo é sensacional mesmo! Também sou super fã da Lizzy. Inspiradora ela, uma mulher totalmente à frente do seu tempo.
    É verdade que as mulheres também podem ficar deprimidas com a rejeição, mas geralmente como é o homem a tomar a iniciativa, acho que eles lidam pior com fato de serem rejeitados, não aceitam serem recusados simplesmente porque a mulher não quer e ficam tentando arranjar uma justificativa para a rejeição. Eles são muito mais dependentes de estar com uma mulher, do que a mulher de estar com um homem, eu acho. E também acredito que a mulher se convence mais fácil de que o homem não quer porque não quer, porque não está a fim e pronto.

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