terça-feira, 11 de janeiro de 2011

"Você também só sabe é mesmo chover!"

Maio, mês das borboletas noivas flutuando em brancos véus. Sua exclamação talvez tivesse sido um prenúncio do que ia acontecer no final da tarde desse mesmo dia: no meio da chuva abundante encontrou (explosão) a primeira espécie de namorado da sua vida, o coração batendo como se ela tivesse englutido um passarinho esvoaçante e preso. O rapaz e ela se olharam por entre a chuva e se reconheceram como dois nordestinos, bichos da mesma espécie que se farejam. Ele a olhara enxugando o rosto molhando com as mãos. E a moça, bastou-lhe vê-lo para torná-lo imediatamente sua goiabada-com-queijo.
Ele...
Ele se aproximou e com voz cantante de nordestino que a emocionou, perguntou-lhe:
– E se me desculpe, senhorinha, posso convidar a passear?
– Sim, respondeu atabalhoadamente com pressa antes que ele mudasse de idéia.
– E, se me permite, qual é mesmo a sua graça?
– Macabéa.
– Maca o quê?
– Béa, foi ela obrigada a completar.
[...]
Da segunda vez em que se encontraram caía uma chuva fininha que ensopava os ossos. Sem nem ao menos se darem as mãos caminhavam na chuva que na cara de Macabéa parecia lágrimas escorrendo.
Da terceira vez em que se encontraram – pois não é que estava chovendo? – o rapaz, irritado e perdendo o leve verniz de finura que o padrasto a custo lhe ensinara, disse-lhe:
– Você também só sabe é mesmo chover!
– Desculpe.
Mas ela já o amava tanto que não sabia mais como se livrar dele, estava em desespero de amor.


Trechos de A hora da estrela, de Clarice Lispector.

5 comentários:

  1. Lembrei agora dessa música do Cordel do fogo encantado:
    "Teu riso tem um corisco
    Teu peito tem um trovão
    É só a gente se ver
    chove no meio do verão"

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  2. Esse livro é INCRÍVEL. Até agora, é o meu preferido da Clarice!

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  3. Esse livro é tão triste. Quando eu o li pela primeira vez no colégio não tinha a ideia da enorme complexidade dele!!

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  4. Essa é a parte que eu mais gosto desse livro! Outro dia estávamos, eu, Milene e Melina, sentadas em um banco da UnB e, quando começou a chover, eu soltei a fatídica frase: "Você só sabem chover!"

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