terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O relato de Henry Jekyll


"Embora minha dualidade fosse tão profunda, não me sentia um hipócrita: meus lados eram totalmente verdadeiros. Eu era o mesmo quando abandonava toda a moderação e me lançava à vergonha ou, quando trabalhando à luz do dia, promovia o conhecimento ou o alívio da dor e do sofrimento. E tudo isso tomou direção nos meus estudos científicos, que foram conduzidos por completo em direção ao místico e ao transcendental, refletindo e projetando uma forte luz sobre esta consciência da permanente guerra entre minhas personalidades. A cada dia, e a partir de ambos os lados de minha inteligência, a moral e a intelectual, lancei-me, firmemente, ao mais próximo daquela verdade por cuja descoberta incompleta fui condenado a tão terrível naufrágio: que o homem verdadeiramente não é único, mas, de fato, dois. (...) e em minha própria pessoa, na qual aprendi a reconhecer perfeita e primitiva dualidade, eu vi que as duas naturezas que competem no campo de minha consciência, mesmo que pudesse dizer corretamente qual delas se manifestava, agiam assim somente porque eu mesmo era, radicalmente, ambas. Desde tempos idos, mesmo antes do curso das minhas descobertas científicas começarem a sugerir a possibilidade mais desnuda de tal milagre, aprendi a viver com prazer, como em um adorável devaneio, sob o aprisionamento e a separação desses elementos. Se cada um deles, dizia a mim mesmo, pudesse morar em identidades separadas, a vida seria aliviada de tudo o que fosse insuportável: o injusto poderia seguir o seu caminho, libertado das aspirações e remorsos de seu gêmeo mais correto; e o justo poderia caminhar com estabilidade e segurança seu caminho ascendente, realizando as boas coisas nas quais ele encontraria prazer e sem se expor à desgraça e penitência pelas mãos de sua perversidade exterior. Era a maldição da humanidade que estas incompatíveis criaturas fossem, assim, mantidas juntas - que no ventre agonizante da consciência, estes gêmeos opostos devessem, continuamente, estar em batalha."
Trecho da obra O estranho caso do Dr. Jekyll e do Sr. Hyde, de Robert Louis Stevenson.

4 comentários:

  1. " o homem verdadeiramente não é único"
    Eu acho que sou múltipla!!

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  2. Sempre quis muito, muito ler esse livro e depois de ler esse trecho, fiquei com mais vontade ainda...

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  3. Li esse livro quando tinha uns dez anos e não me lembro de muita coisa, mas quando comprei o da Kika comprei um pra mim também e vou já começar a lê-lo é bem curtinho!

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