quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Elegia a uma pequena borboleta.



Como chegavas do casulo, 
— inacabada seda viva —
tuas antenas — fios soltos
da trama de que eras tecida,
e teus olhos, dois grãos da noite
de onde o teu mistério surgia, 

como caíste sobre o mundo
inábil, na manhã tão clara,
sem mãe, sem guia, sem conselho,
e rolavas por uma escada
como papel, penugem, poeira,
com mais sonho e silêncio que asas, 

minha mão tosca te agarrou
com uma dura, inocente culpa,
e é cinza de lua teu corpo,
meus dedos, sua sepultura.
Já desfeita e ainda palpitante,
expiras sem noção nenhuma.

Ó bordado do véu do dia,
transparente anêmona aérea!
não leves meu rosto contigo:
leva o pranto que te celebra,
no olho precário em que te acabas,
meu remorso ajoelhado leva!

Choro a tua forma violada,
miraculosa, alva, divina,
criatura de pólen, de aragem,
diáfana pétala da vida!
Choro ter pesado em teu corpo
que no estame não pesaria.

Choro esta humana insuficiência:
— a confusão dos nossos olhos
— o selvagem peso do gesto,
— cegueira — ignorância — remotos
instintos súbitos — violências
que o sonho e a graça prostram mortos

Pudesse a etéreos paraísos
ascender teu leve fantasma,
e meu coração penitente 
ser a rosa desabrochada
para servir-te mel e aroma,
por toda a eternidade escrava! 

E as lágrimas que por ti choro
fossem o orvalho desses campos,
— os espelhos que refletissem
— vôo e silêncio — os teus encantos,
com a ternura humilde e o remorso
dos meus desacertos humanos!

Cecília Meireles. 

4 comentários:

  1. Cecilia é sempre de uma simplicidade tão grande pra tratar de coisas complexas e profundas! AMO!

    ResponderExcluir
  2. "com a ternura humilde e o remorso
    dos meus desacertos humanos!"
    Belíssimo!!

    ResponderExcluir
  3. Lindo! Feliz Ano novo a todas vocês! Um bj.

    ResponderExcluir
  4. Que poema lindo! foi a primeira vez que li esse poema! Nossa!
    "Pudesse a etéreos paraísos
    ascender teu leve fantasma,
    e meu coração penitente
    ser a rosa desabrochada
    para servir-te mel e aroma,
    por toda a eternidade escrava!"

    ResponderExcluir