Eu quero a verdade que só me é dada através do seu oposto, de sua inverdade. E não aguento o cotidiano. Deve ser por isso que escrevo. Minha vida é um único dia. E é assim que o passado me é presente e futuro. Tudo numa só vertigem. E a doçura é tanta que faz insuportável cócega na alma. Viver é mágico e inteiramente inexplicável. Eu compreendo melhor a morte. Ser cotidiano é um vício. O que é que eu sou? sou um pensamento. Tenho em mim o sopro? tenho? mas quem é esse que tem? quem é que fala por mim? tenho um corpo e um espírito? eu sou um eu? "É exatamente isto, você é um eu", responde-me o mundo terrivelmente. E fico horrorizado. Deus não deve ser pensado jamais senão Ele foge ou eu fujo. Deus deve ser ignorado e sentido. Então Ele age. Pergunto-me: por que Deus pede tanto que seja amado por nós? resposta possível: porque assim nós amamos a nós mesmos e em nos amando, nós nos perdoamos. E como precisamos de perdão. Porque a própria vida já vem mesclada ao erro.
Clarice Lispector
Eu acho essa parte simplesmente incrível! :)
ResponderExcluirGente, isso é muitooo intenso! Intenso e denso!
ResponderExcluirparece uma oração...falar com a alma!
ResponderExcluirGente, OQUIÉESSELIVRO? Acho que vou enlouquecer quando for lê-lo (mas daquela loucura que deixa a gente lúcido, porque vem de se questionar e se consicentizar da vida e de nós mesmos, mesmo que a gente continue sem entender nada)!
ResponderExcluirAcho que Clarice é assim, um questionar-se constantemente! E a cada não-resposta, uma nova descoberta... ainda que tudo permaneça encoberto! Ah, não sei! É como ela diz, é só viver e sentir!!! ^^
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