terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Não falemos nada



"-Há coisas que não se dizem.

-Que se não dizem só pela metad; mas, já que disse metade, diga tudo.

Tinha-se sentado numa cadeira ao pé da mesa. Podia estar um tanto confusa, o porte nãoe ra de acusada. Pedi-lhe ainda uma vez que não teimasse.

-Não, Bentinho, ou conte o resto, para que eu me defenda, se você acha que eu tenho defesa, ou peço-lhe desde já a nossa separação:não posso mais!

-A separação é coisa decidida - redargui pegando-lhe na proposta. Era melhor que fizéssemos por meias palavras ou em silêncio; cada um iria com a sua ferida. - Uma vez, porém, que a senhora insiste, aqui vai o que lhe posso dizer, e é tudo.

Não disse tudo; mas pude aludir aos amores de Escobar sem proferir-lhe o nome. Capitu não pôde deixar de rir, de um riso que sinto não poder transcrever aqui; depois, em um tom juntamente irônico e melancólico:

- Pois até os defuntos!Nem os mortos escapam aos seus ciúmes!

Consertou a capinha e ergueu-se. Suspirou, creio que suspirou, enquanto eu, que não podia outra coisa mais que a plena justificação dela, disse-lhe não sei que palavras adequadas a este fim. Capitu olhou pra mim com desdém, e murmurou:

-Sei a razão disto; é a casualidade da semelhança... A vontade de Deus explicará tudo... Ri-se? É natural; apesar do seminário não acredita em Deus; eu creio... Mas não falemos nisto; não nos fica bem dizer mais nada."

Dom Casmurro, Machado de Assis.

2 comentários:

  1. Amo essa parte do livro. Capitu sempre poderosa!

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  2. A conversa sobre o livro e, especialmente, sobre a Capitu foi ótima ontem. Também espero que ela tenha realmente traído! Hehe

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