sábado, 1 de outubro de 2011

Diários de viagem



De todos os irmãos del Valle, Clara era a que tinha mais disposição e interesse em ouvir os contos do seu tio. Podia repetir um por um, sabia de cor várias palavras de dialetos índios estrangeiros, conhecia seus costumes e descreveria com facilidade a maneira como atravessavam pedaços de madeira nos lábios e nos lóbulos das orelhas, bem como seus ritos de iniciação, e dominava os nomes das serpentes mais venenosas e de seus antídotos. Seu tio era tão eloquente, que a menina sentia na própria carne a dolorosa mordida das víboras, via o réptil deslizar sobre o tapete, entre os pés do aparador de jacarandá, e escutava os gritos das guacamayas (Ave da família dos papagaios. Arara. (N. T.)) atravessando as cortinas do salão. Repetia sem hesitação o trajeto de Lope de Aguirre em busca do Eldorado, os nomes impronunciáveis da flora e da fauna vistas ou inventadas por seu prodigioso tio, sabia que os lamas tibetanos tomam chá salgado com gordura de iaque e era capaz de descrever detalhadamente as opulentas nativas da Polinésia, os arrozais da China ou as planícies brancas dos países do Norte, onde o gelo eterno mata os animais e os homens que se distraem, petrificando-os em poucos minutos. Marcos tinha vários diários de viagem, em que registrava seus itinerários e impressões, e uma coleção de mapas e livros de contos, de aventuras e até de fadas, que guardava em seus baús no depósito dos fundos do terceíro pátio da casa. Dali, saíram para povoar os sonhos de seus descendentes até serem equivocadamente queimados, meio século depois, numa infame fogueira.




Isabel Allende, A Casa dos Espíritos.

3 comentários: