terça-feira, 21 de maio de 2013

PROCISSÃO E LUTA!


“Atrás da imagem as mulheres, logo na primeira fila Tereza Batista. Ao vê-la, Peixe Cação esquece até a dor nos bagos, precipita-se. Exatamente no mesmo instante, do Bar Flor de São Miguel sai um grupo barulhento e agitado de fregueses, o futuroso astro de nosso teatro, Tom Lívio, o alemão Hansen a gravar na madeira com goiva e sangue a vida das mulheres da zona, o poeta Telmo Serra, os eternos boêmios, aqueles que pela madrugada afora discutem o destino do mundo e salvam a humanidade das catástrofes e do aniquilamento, os guardiões do sonho do homem. Nas mãos poderosas do gravador um cartaz exibe esquálidas fêmeas seminuas, todas elas rompendo as cadeias a lhes prender os pulsos, tendo no lugar do xibiu um cadeado. Uma inscrição em grandes letras: TODO O PODER ÀS PUTAS. O comissário grita ordens para os tiras e para os soldados, manda dissolver, prender, espancar, matar, se necessário.
Parte a carga de cavalaria, dissolve-se a procissão, os guardas baixam os cassetetes, os investigadores apontam os revólveres. A imagem de Santo Onofre fica depositada no chão, em pé. Ao lado, Vovó continua a puxar a ladainha. Tem ao menos cem anos de idade e mil de puta, basta ver-lhe as rugas, a cara chocha, a boca sem dentes, mas ainda gosta de brigar e de louvar os santos:
Ave, ave Maria
Ave, ave Maria
O comissário Labão Oliveira corre para fazê-la calar-se, tropeça num buraco, tomba, rola, não se levanta. Mesmo caído, atira, a velha emudece, o canto cessa, o silêncio cobre a praça inteira. Junto da imagem do santo o corpo pequeno e gasto de Vovó; morreu rezando, morreu brigando, morreu contente.
Tiras acodem ao comissário, ajudam-no a erguer-se mas ele não consegue se firmar em pé, rotos os ossos das duas pernas. O investigador Alirio, apavorado, joga-se no chão, bate a cabeça nas pedras, bem ele avisara: comissário, não seja doido, não toque em Exu.
Os carros rumam para o edifício da Polícia Central, lotados de presos, mulheres e boêmios, praticamente a zona inteira foi em cana. No comando da limpeza final ainda permanece alguns minutos o investigador Peixe Cação. Mas tem pressa: no depósito, bem guardada Tereza Batista espera.
Mais uma vez tentarão lhe ensinar o respeito e a obediência. Peixe Cação esfrega as mãos, em noite de tanto descalabro, uma alegria.”

TEREZA BATISTA CANSADA DE GUERRA
JORGE AMADO

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