terça-feira, 14 de junho de 2011

Peito de homem


Em "Poema de sete faces", que inicia o primeiro livro de Drummond, Alguma poesia (1930), uma estrofe acabou ganhando grande destaque e popularidade com o passar dos anos:

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo
Mais vasto é meu coração.

Em Sentimento do mundo, livro publicado dez anos depois e que marca a maturidade poética do autor, encontramos a negação dessa ideia de coração maior que o mundo no penúltimo poema da obra, que podemos ler a seguir:

Mundo grande

Não, meu coração não é maior que o mundo.
É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.

Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.

Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens,
as diferentes dores dos homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem... sem que ele estale.

Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
tão calma, não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo...
Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos – voltarão?

Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam.)

Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.

Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.

Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.

Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.
– Ó vida futura! Nós te criaremos.

Carlos Drummond de Andrade
In: Sentimento do mundo

*ouçam aqui a gravação do próprio Drummond declamando este poema.

2 comentários:

  1. Esse foi um dos poemas que mais me emocionou. Fortissimo!
    "Fecha os olhos e esquece.
    Escuta a água nos vidros,
    tão calma, não anuncia nada.
    Entretanto escorre nas mãos,
    tão calma! Vai inundando tudo..."
    Minha parte preferida!

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  2. Esse mês Drummond foi maravilhoso! Essa leitura conseguiu me tocar e me fazer refletir de uma forma única e, agora, tenho vontade de ler mais e mais Drummond! Foi muito bom, Mel!

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