terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Promessas não cumpridas


Levantei os olhos ao céu, que começava a embruscar-se, mas não foi pra vê-lo coberto ou descoberto. Era ao outro céu que eu erguia a minha alma; era ao meu refúgio, ao meu amigo. E então disse de mim para mim:
- Prometo rezar mil padre-nossos e mil ave-marias se José Dias arranjar que eu não vá para o seminário.
A soma era enorme. A razão é que eu andava carregado de promessas não cumpridas. A última foi de duzentos padre-nossos e duzentas ave-marias, se não chovesse em certa tarde de passeio a Santa Teresa. Não choveu, mas eu não rezei as orações. Desde pequenino acostumara-me a pedir ao céu os seus favores, mediante orações que diria, se eles viessem. Disse as primeiras, as outras foram adiadas, e à medida que se amontoavam iam sendo esquecidas. Assim cheguei aos números vinte, trinta, cinquenta. Entrei nas centenas e agora no milhar. Era um modo de peitar a vontade divina pela quantia das orações; além disso, cada promessa nova era feita e jurada no sentido de pagar a dívida antiga. Mas vão lá matar a preguiça de uma alma que a trazia do berço e não a sentia atenuada pela vida! O céu fazia-me o favor, eu adiava a paga. Afinal, perdi-me nas contas.

Dom Casmurro, Machado de Assis

3 comentários:

  1. Acho esse trecho, junto com o das cocadas, um dos mais engraçados!

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  2. Às vezes, o jeito de falar do Bentinho me lembra um pouco o Brás Cubas. Estou amando essa leitura!

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