quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Um cachorrinho

Para Clara esse teria sido um dos momentos mais dolorosos de sua vida, se Barrabás não tivesse vindo misturado aos pertences de seu falecido tio. Ignorando a confusão reinante no pátio, seu instinto levou-a diretamente ao canto em que tinham posto o engradado. Dentro estava Barrabás. Era um punhado de ossinhos cobertos por pêlo de cor indefinida, cheio de falhas infectadas, um olho fechado, o outro purgando secreções purulentas, imóvel, como um cadáver, em sua própria porcaria. Apesar dessa aparência, a menina não teve dificuldade em identificá-lo.
- Um cachorrinho! - exclamou.
Encarregou-se do animal, tirou-o do engradado, embalou-o contra o peito e, com cuidados de missionária, conseguiu dar-lhe água pelo focinho inchado e seco. (...) Clara converteu-se em mãe para o animal, e conseguiu reanimá-lo. Dois dias mais tarde, logo que se acalmou a tempestade da chegada do cadáver e do enterro do tio Marcos, Severo reparou no bicho peludo que sua filha levava nos braços.
- O que é isso? - perguntou.
- Barrabás - disse Clara.
- Entregue-o ao jardineiro para que se desfaça dele. Pode contagiar-nos com alguma doença - ordenou Severo.
Clara, porém, o havia adotado.
- É meu, papai. Se me tirar, juro que paro de respirar e morro.


Trecho de A Casa dos Espíritos, Isabel Allende

4 comentários:

  1. Sei bem o que é essa sensação de pensar que vai parar de respirar pelo amor que sente pelo aninalzinho... lindo trecho, Van!

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  2. Clara é uma personagem tão interessante, nada comum!!

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  3. É... ela é muito inteligente e consegue tudo o que quer...

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  4. É linda essa parte. Clara tem muita sensibilidade, ela já me emocionou várias vezes...

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