sexta-feira, 20 de abril de 2012

Fuga

Retirantes. Cândido Portinari.


Saíram de madrugada. Sinha Vitoria meteu o braço pelo buraco da parede e fechou a porta da frente com a taramela. Atravessaram o pátio, deixaram na escuridão o chiqueiro e o curral, vazios, de porteiras abertas, o carro de bois que apodrecia, os juazeiros. Ao passar junto às pedras onde os meninos atiravam cobras mortas, Sinha Vitoria lembrou-se da cachorra Baleia, chorou, mas estava invisível e ninguém percebeu o choro. [...]
Agora Fabiano examinava o céu, a barra que tingia o nascente, e não queria convencer-se da realidade. Procurou distinguir qualquer coisa diferente da vermelhidão que todos os dias espiava, com o coração aos baques. As mãos grossas, por baixo da aba curva do chapéu, protegiam-lhe os olhos contra a claridade e tremiam. Os braços penderam, desanimados.
- Acabou-se.
[...] Que iriam fazer? Retardaram-se, temerosos. Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá. O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinha Vitória e os dois meninos.


Vidas Secas
, Graciliano Ramos

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