quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

É o Imperador!



"Em caminho, encontramos o Imperador, que vinha da Escola de Medicina. O ônibus em que íamos parou, como todos os veículos; os passageiros desceram à rua e tiraram chapéu, até que o coche imperial passasse. Quando tornei ao meu lugar, trazia uma ideia fantástica, a ideia de ir ter com o Imperador, contar-lhe tudo e pedir-lhe a intervenção. Não confiaria esta ideia a Capitu. "Sua Majestade pedindo, mamãe cede", pensei comigo. Vi então o Imperador escutando-me, refletindo e acabando por dizer que sim, que iria falar a minha mãe; eu beijava-lhe a mão, com lágrimas. E logo me achei em casa, à espera até que ouvi os batedores e o piquete de cavalaria; é o Imperador!É o Imperador! Toda gente chegava às janelas para vê-lo passar, mas não passava. O coche parava à nossa porta, o Imperador apeava-se e entrava. Grande alvoroço na vizinhança: "O Imperador entrou em casa de Dona Glória!Que será?Que não será?" A nossa família saía a recebê-lo; minha mãe era a primeira que lhe beijava a mão. Então o Imperador, todo risonho, sem entrar na sala ou entrando - não me lembro bem, os sonhos são muitas vezes confusos-, pedia a minha mãe que não me fizesse padre - e ela, lisonjeada e obediente, prometia que não.

- A medicina, por que lhe não manda ensinar medicina?

-Uma vez que é do agrado de Vossa Majestade...

-Mande ensinar-lhe medicina; é uma bonita carreira, e nós temos aqui bons professores. Nunca foi à nossa Escola?É uma bela Escola. Já temos médicos de primeira oredem, que podem ombrear com os melhores de outras terras. A medicina é uma grande ciência, basta só isto de dar á saude aos outros, conhecer as moléstias, combatê-las, vencê-las... A senhora mesma há de ter visto milagres. Seu marido morreu, mas a doença era fatal, e ele não tinha cuidado em si ... É uma bonita carreira. Mande-o para a nossa Escola. Faça isso por mim, sim?Você quer, Bentinho?

-Mamãe querendo.

-Quero, meu filho. Sua Majestade manda.

Então o Imperador dava outra vez a mão a beijar, e saía, acompanhado de todos nós, a rua cheia de gente, as janelas atopetadas, um silêncio de assombro: o Imperador entrava no coche, inclinava-se e fazia um gesto de adeus, dizendo ainda: "A medicina, a nossa Escola". E o coche partia entre invejas e agradecimentos.

Tudo isso eu vi e ouvi. Não, a imaginação de Aristo não é mais fértil que a das crianças e dos namorados, nem a visão do impossível precisa mais que de um recanto de ônibus. Consolei-me por instantes, digamos minutos, até destruir-se o plano e voltar-me para as caras sem sonhos dos meus companheiros."

Dom Casmurro, Machado de Assis.

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