4 de Abril de 1977, segunda, madrugada
Há quanto tempo não fazia amor? Cem dias, ano e meio, três anos?
A Lua, a mão é uma _______
Sento-me um pouco antes do fim do dia em frente da vela. Foi um dia inquieto em que o meu corpo parecia deitado ao vento. Por exemplo, ao querer acender a vela, apaguei o fósforo antes que tivesse irrompido a chama. Queria continuar a escrever A Restante Vida com a imensa felicidade de ontem, mas pequenos nadas me retiveram. Pensei no dia anterior, na noite do meu quarto em que perguntava, fazendo amor (que termos empregar?): "há quanto tempo não fazia eu amor?" E respondia a mim mesma: - "Cem dias, meio ano, ano e meio?" De qualquer modo, parecíamos outros. A. disse-me mais tarde que eram nossos corpos astrais que faziam amor, e eu creio que assim é, que assim seja. À hora do almoço veio alguém, e eu senti-me estranha e admirada. Por que não podia tomar-me quem vinha também por uma planta, um animal, uma outra qualquer coisa, além do meu próprio ser humano? É essa impossibilidade da maior parte das pessoas que, às vezes, me traz um grande mal-estar quando estou entre as pessoas. Eu sou múltipla, por isso desejo também tanto estar sozinha, ou seja, com meus restantes companheiros vivos.
Mas, voltando ao amor de ontem à noite, fazia Lua cheia e eu via-a, alto, para lá das cortinas e da janela. Olhei-a durante algum tempo, e pressentia que uma imensa liberdade de destino principiava a ser-me dada, porque nós todos nesta casa a tínhamos conseguido.
Desejo mortalmente continuar A Restante Vida. Mortalmente, porque se não continuar parece-me que morro. Mas agora vou jantar em frente da vela, aspirando à paz e à transparência da noite.
Da noite de ontem, recordo sobretudo o movimento circular da mão sobre o meu peito. O homem e a mulher tinham desaparecido, traçavam na minha pele um sinal de voo.
Trecho de Um Arco Singular, Livro de Horas II, de Maria Gabriela Llansol.
Gente, olha que interessante! Assim como a Sílvia escrevia F. para falar sobre o Floriano, a Maria Gabriela Llansol também abrevia o nome de um homem em seu diário.
ResponderExcluirAchei esse trecho belíssimo! Me sinto um pouco estranha com a sensação de ler o diário de uma pessoa real, lendo coisas íntimas como essas e sabendo que tudo isso aconteceu mesmo...
Genteee, esse livro já está causando aqui no blog! Muito bonito mesmo o trecho, Mel!
ResponderExcluirComo é estranho mesmo! Entrar assim no mundo real e particular de alguém... mas não é um simples diário! São notas de vida! Poesia! Lirismo e razão andando juntos!
ResponderExcluirUm diário é sempre uma maneira de romancear um pouquinho a vida da gente. Lindo trecho!!
ResponderExcluirLindíssimo trecho...o meu preferido até agora!
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