segunda-feira, 13 de maio de 2013

Roda-Gigante


"Sem querer, pela primeira vez escapa-lhe da boca a expressão de um desejo, não chega todavia a ser um pedido:
— Sempre tive vontade de um dia andar na roda-gigante.
— Nunca andou, Favo-de-Mel?
— Nunca tive ocasião.
— Vai andar hoje. Vamos.
Aguardam a vez na fila, antes de ocuparem uma caçamba. Elevam-se pouco a pouco, enquanto a roda vai parando para desembarcar os antigos e embarcar ps novos fregueses. O coração palpitante, Tereza prende entre as suas a mão esquerda do doutor; com o braço livre ele a circunda. Em determinado momento ficam parados no ponto mais alto, a cidade lá embaixo. A multidão a divertir-se, confuso rumor de conversas e risos, luzes multicores nas barracas, no carrossel, no contorno da praça. Pouco adiante as ruas vazias, mal iluminadas, a massa de árvores do Parque Triste, o vulto dos sobradões na sombra. Na distância, o murmúrio dos rios correndo sobre as pedras para se juntarem no porto velho, a caminho do mar. Em cima, o céu imenso de estrelas e a lua de Estância, desmedida, e louca. Tereza solta o balão azul, o vento o leva no rumo do porto — quem sabe para o mar distante?
— Ai, que maravilha! — murmura Tereza comovida.
Na quermesse, obstinados, alguns basbaques, os olhos levantados, a espiá-los. Também umas quantas senhoras e comadres arriscam destroncar o pescoço para vê-los. O doutor traz o corpo de Tereza para junto de si, ela descansa a cabeça no ombro dele. Emiliano acaricia-lhe os cabelos negros, toca-lhe a face e a beija na boca, beijo longo, profundo e público — um escândalo, um descaramento, uma delícia, um esplendor. Ah!, os felizardos."


TEREZA BATISTA CANSADA DE GUERRA
JORGE AMADO

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