“Atrás da
imagem as mulheres, logo na primeira fila Tereza Batista. Ao vê-la, Peixe Cação
esquece até a dor nos bagos, precipita-se. Exatamente no mesmo instante, do Bar
Flor de São Miguel sai um grupo barulhento e agitado de fregueses, o futuroso astro
de nosso teatro, Tom Lívio, o alemão Hansen a gravar na madeira com goiva e
sangue a vida das mulheres da zona, o poeta Telmo Serra, os eternos boêmios,
aqueles que pela madrugada afora discutem o destino do mundo e salvam a
humanidade das catástrofes e do aniquilamento, os guardiões do sonho do homem. Nas
mãos poderosas do gravador um cartaz exibe esquálidas fêmeas seminuas, todas
elas rompendo as cadeias a lhes prender os pulsos, tendo no lugar do xibiu um
cadeado. Uma inscrição em grandes letras: TODO O PODER ÀS PUTAS. O comissário
grita ordens para os tiras e para os soldados, manda dissolver, prender, espancar,
matar, se necessário.
Parte a
carga de cavalaria, dissolve-se a procissão, os guardas baixam os cassetetes,
os investigadores apontam os revólveres. A imagem de Santo Onofre fica
depositada no chão, em pé. Ao lado, Vovó continua a puxar a ladainha. Tem ao
menos cem anos de idade e mil de puta, basta ver-lhe as rugas, a cara chocha, a
boca sem dentes, mas ainda gosta de brigar e de louvar os santos:
Ave, ave
Maria
Ave, ave
Maria
O
comissário Labão Oliveira corre para fazê-la calar-se, tropeça num buraco,
tomba, rola, não se levanta. Mesmo caído, atira, a velha emudece, o canto
cessa, o silêncio cobre a praça inteira. Junto da imagem do santo o corpo
pequeno e gasto de Vovó; morreu rezando, morreu brigando, morreu contente.
Tiras
acodem ao comissário, ajudam-no a erguer-se mas ele não consegue se firmar em
pé, rotos os ossos das duas pernas. O investigador Alirio, apavorado, joga-se
no chão, bate a cabeça nas pedras, bem ele avisara: comissário, não seja doido,
não toque em Exu.
Os carros
rumam para o edifício da Polícia Central, lotados de presos, mulheres e
boêmios, praticamente a zona inteira foi em cana. No comando da limpeza final
ainda permanece alguns minutos o investigador Peixe Cação. Mas tem pressa: no
depósito, bem guardada Tereza Batista espera.
Mais uma
vez tentarão lhe ensinar o respeito e a obediência. Peixe Cação esfrega as
mãos, em noite de tanto descalabro, uma alegria.”
TEREZA BATISTA
CANSADA DE GUERRA
JORGE AMADO
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