quarta-feira, 15 de maio de 2013

BASTA!


“Quem não sabe, fique sabendo de uma vez para sempre: puta não tem direito algum, puta é para dar gozo aos homens, receber a paga tabelada e se acabou. Fora disso, apanha. Do cafetão, do gigolô, do tira, do guarda, do soldado, do delinqüente e da autoridade. Do vicio e da virtude, renegada. Por tolice apanha, dá com os costados na cadeia, quem quiser pode lhe escarrar na cara. Impunemente.
O senhor, paladino das causas populares, com nome elogiado nas gazetas, por gentileza me diga se alguma vez na vida dignou-se a pensar nas putas, exceto, é claro, nas inconfessáveis ocasiões em que nelas se põe em leito de folgança a regalar-se pois mesmo um incorruptível necessita satisfazer a carne, está sujeito às exigências do instinto. Leito infame, carne vil, baixos instintos na opinião do mundo inteiro.
Sabe o indômito líder ser excelente negócio possuir casas de aluguel em zona de meretrício? A polícia localiza a zona de acordo com os interesses da política, premiando parentes, amigos, correligionários. Por ser aluguel de casa de puta bem mais elevado do que o das casas de família. Sabia dessa particularidade o bravo campeão dos explorados? Aliás, para elas tudo é mais caro e mais difícil, e todos acham justo, ninguém protesta. Nem sequer o nobre defensor do povo. Não sabia? pois fique sabendo. E saiba ainda mais que despejo de puta independe de ação judicial, basta a polícia decidir, ordem de um delegado, um comissário, um tira, faz-se a mudança. Não cabe à puta escolha de onde morar e exercer.
Quando uma puta se despe e se deita para receber homem e conceder-lhe o supremo prazer da vida em troca de paga escassa, sabe o ilustre combatente da justiça social quantos estão comendo dessa paga? Do proprietário da casa ao sub-locador, da caftina ao delegado, do gigolô ao tira, o governo e o lenocínio. Puta não tem quem a defenda, ninguém por ela se levanta, os jornais não abrem colunas para descrever a miséria dos prostíbulos, assunto proibido. Puta só é notícia nas páginas de crimes, ladrona, arruaceira, drogada, mariposa do vício, presa e processada, acusada dos males do mundo, responsável pela perdição dos homens. A quem cabe a culpa de tudo de ruim quanto acontece universo afora? Pois às putas, sim, senhor.
O indomável advogado dos oprimidos por acaso tomou conhecimento da existência de milhões de mulheres que não pertencem a nenhuma classe, por todas elas repudiadas, postas à margem da luta e da vida, marcadas a ferro e fogo? Sem carta de reivindicações, sem organização, sem carteira profissional, sem sindicato, sem programa, sem manifesto, sem bandeira, sem contar tempo de ofício, podres de doenças, sem médico de Instituto nem cama em hospital, com fome e sede, sem direito a pensão alimentar, a aposentadorias, a férias, sem direito a filhos, sem direito a lar, sem direito a amor, apenas putas, nada mais? Sabe ou não sabe? Pois fique sabendo de uma vez.
Puta, enfim, é caso de polícia, xilindró e necrotério. Mas já imaginou o caridoso pai dos pobres se um dia as putas do mundo unidas decretassem greve geral, trancassem a flor e se recusassem a trabalhar? Já pensou o caos, o dia de juízo, o fim dos tempos?
O último dos últimos encontra quem por ele brade e lute, só as putas não. Sou o poeta Castro Alves, morto há cem anos, do túmulo me levanto, na Praça de meu nome e monumento, na Bahia, assumo a tribuna de onde clamei pelos escravos, no Teatro São João que o fogo consumiu, para conclamar as putas a dizer basta.”

TEREZA BATISTA CANSADA DE GUERRA
JORGE AMADO

Nenhum comentário:

Postar um comentário