Escutávamos o marmulhar das ondas, na quebra do horizonte, enquanto esperávamos ver a baleia. Era ali o lugar dela aparecer, quando o sol se ajoelhava na barriga do mundo. De repente, um ruído barulhoso nos arrepiava: era o bichorão começando a chupar a água! Sorvia até o mar todo se vazar. Ouvíamos a baleia mas não lhe víamos. Até que, certa vez, desaguou na praia um desses mamíferos, enormão. Vinha morrer na areia. Respirava aos custos, como se puxasse o mundo nas suas costelas. A baleia moribundava, esgoniada. O povo acorreu para lhe tirar carnes, fatias e fatias de quilos. Ainda não morrera e já seus ossos brilhavam ao sol. Agora, eu via o meu país como uma dessas baleias que vêm agonizar na praia. A morte nem sucedera e já as facas lhe roubavam pedaços, cada um tentando o mais para si. Como se aquele fosse o último animal, derradeira oportunidade de ganhar uma porção. De vez enquanto, me parecia ouvir ainda o suspirar do gigante, engolindo vaga após vaga, fazendo da esperança uma maré vazando. Afinal, nasci num tempo em que o tempo não acontece. A vida, amigos, já não me admite. Estou condenado a uma terra perpétua, como a baleia que esfalece na praia. Se um dia me arriscar num outro lugar, hei-de levar comigo a estrada que não me deixa sair de mim.
Trecho de Terra Sonâmbula, de Mia Couto.
Adorei...
ResponderExcluir"Se um dia me arriscar num outro lugar, hei-de levar comigo a estrada que não me deixa sair de mim."
ResponderExcluirMia Couto mudou a minha vida!!
Nossa! Bem que vocês falam que esse livro é maravilhoso! Por esse trecho dá pra perceber que deve ser muito bom mesmo!
ResponderExcluirto louca pra ter férias e pedir livros emprestados às literatas!
ResponderExcluir