Pousou os olhos em Rosa, a mais velha das filhas vivas, e, como sempre, admirou-se. Sua estranha beleza tinha uma qualidade perturbadora à qual nem ela escapava; parecia ter sido feita de um material diferente do da raça humana. Nívea soube que Rosa não era deste mundo antes mesmo de trazê-la à luz, tendo-a visto em sonhos; por isso, não a surpreendeu o grito da parteira ao vê-la. Quando nasceu, Rosa era branca, lisa, sem rugas, como uma boneca de porcelana, com o cabelo verde e os olhos amarelos, a criatura mais formosa nascida na terra desde os tempos do pecado original, como disse a parteira benzendo-se. Desde o primeiro banho, a Nana lavou o seu cabelo com infusão de camomila, o que lhe atenuou a cor, dando-lhe tonalidades de bronze velho, e a punha nua ao sol, para fortalecer sua pele, translúcida nas áreas mais delicadas do ventre e das axilas, onde se adivinhavam as veias e a textura secreta dos músculos. Esses truques de cigana, no entanto, não foram suficientes e depressa correu o boato de que lhes nasceram um anjo. Nívea supôs que as ingratas fases do crescimento trouxessem algumas imperfeições a sua filha, mas isso não aconteceu, e, bem pelo contrário, aos dezoito anos Rosa não tinha engordado e não lhe haviam brotado espinhas; entretanto, acentuara-se, isso sim, sua graça marítima.
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Severo considerava que era tempo de sua filha sair do devaneio e pôr os pés na realidade, aprender algumas tarefas domésticas e preparar-se para o casamento, mas Nívea não compartilhava essa inquietação. Preferia não atormentar a filha com exigências terrenas, pois pressentia que Rosa era um ser celestial, que não fora sido destinado a durar muito tempo no trâfego grosseiro deste mundo; por isso, deixava-a em paz com os seus fios de bordar e não contestava aquele jardim zoológico de pesadelo.
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Severo considerava que era tempo de sua filha sair do devaneio e pôr os pés na realidade, aprender algumas tarefas domésticas e preparar-se para o casamento, mas Nívea não compartilhava essa inquietação. Preferia não atormentar a filha com exigências terrenas, pois pressentia que Rosa era um ser celestial, que não fora sido destinado a durar muito tempo no trâfego grosseiro deste mundo; por isso, deixava-a em paz com os seus fios de bordar e não contestava aquele jardim zoológico de pesadelo.
Isabel Allende, A Casa do Espíritos.
Eu acho linda essa parte, de verdade. Acho que Isabel Allende faz referência a filha dela neste momento. Me emociono!
ResponderExcluirÉ muito linda mesmo a forma como ela descreve a Rosa. Quero saber que mistérios são esses que a cercam...
ResponderExcluirTudo nesse livro tem um toque de mágica, sensualidade e mistério!Belo!!
ResponderExcluirEu me lembrei de Remédios, a Bela, do Garcia Márquez..mesmo assim, a Allende tem um jeito muito peculiar de escrever!
ResponderExcluirEla escreve de um jeito tão envolvente!
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