27 de Novembro de 1977, domingo
Volto ao dia 26, sábado, dia em que celebrei o meu aniversário - 24 de Novembro. A. e eu tínhamos combinado uma conversa para o almoço. Nem absolutamente necessária, nem absolutamente desnecessária. Ele perguntou-me:
- De que julgas que quero falar?
Eu respondi:
- Da nossa independência.
E, como por encanto, nada mais se disse. Mas, mais tarde, como tivéssemos que esperar uma hora pelo autocarro em Tirlemont, decidimos ir passeando pela parte comercial, que, numa só rua sem trânsito automóvel, lembra vagamente Maastricht.
Os cafés, largamente envidraçados à flamenga, atraem-me com a aparência de estufa e casa. Embora já tivéssemos bebido água, chá, café, entrámos. Sentia-me como me sinto por vezes nas viagens - autónoma e livre, responsável pelo mínimo cabelo da minha cabeça. E sem que eu saiba quem o disse, dissemos que seria uma nova etapa vivermos cada um sozinho, homem só, mulher só, encontrando-nos como amantes nos fins-de-semana. Amantes de corpo, amantes de escrita, amantes de caminhos juntos e distantes. Eu viveria em Louvain-la-Neuve. Não, em Lovaina, onde o meio não é tão restrito, nem a gente tão conhecida.
Foi também o dia em que comprei a blusa de lã azul, e o avental preto às pintas. No espelho vejo que criei uma nova imagem. Mulher franzina, muito simplesmente vestida de lã e algodão. Vaga móvel, que se torna grave com muita juventude.
E _______
trabalho e escrevo. Na minha mocidade poderia ter aprendido a coser, fazer vestidos. Não aprendi. Escrever era talvez preferível. No plano de outra ordenação das coisas, seria talvez o mesmo.
Trecho de Um arco singular, Livro de horas II, de Maria Gabriela Llansol.
Que pena que não consegui ler... =/
ResponderExcluirEsse livro parece ser mesmo bem diferente de tudo que a gente já leu.
"Amantes de corpo, amantes de escrita, amantes de caminhos juntos e distantes." Amar e ser livre!!Muito livre!!
ResponderExcluirA Lansol era uma mulher forte, que pensava, repensava e pensava de novo sobre todas as coisas do cotidiano de uma maneira tão sensível!
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