terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

A queda

"Foi o caso que, uma segunda-feira, voltando eu para o seminário, vi cair na rua uma senhora. O meu primeiro gesto, em tal caso, devia ser de pena ou de riso; não foi nem uma nem outra coisa, porquanto (e é isto que eu quisera dizer em latim), porquanto a senhora tinha as meias muito lavadas, e não as sujou, levava ligas de seda, e não as perdeu. Várias pessoas acudiram, mas não tiveram tempo de a levantar; ela ergueu-se muito vexada, sacudiu-se, agradeceu, e enfiou pela rua próxima.

-Este gosto de imitar as francesas da rua do Ouvidor- dizia-me José Dias andando e comentando a queda- é evidentemente um erro. As nossas moças devem andar como sempre andaram, com seu vagar e paciência, e não este tique-taque afrancesado...

Eu mal podia ouvi-lo. As meias e as ligas da senhora branqueavam e enroscavam-se diante de mim, e andavam, caíam, erguiam-se e iam-se embora. Quando chegamos à esquina, olhei para a outra rua, e vi, a distância, a nossa desastrada, que ia no mesmo passo, tique-taque,tique-taque...

-Parece que não se machucou- disse eu.

- Tanto melhor para ela, mas é impossível que não tenha arranhado os joelhos; aquela presteza é manha...

Creio que foi manha que ele disse; eu fiquei nos "joelhos, arranhados". Dali em diante, até o seminário, não vi mulher na rua a quem não desejasse uma queda; a algumas adivinhei que traziam as meias esticadas e as ligas justas... Tal haveria que nem levasse meias... Mas eu as via com elas... Ou então... Também é possível..."

Dom Casmurro, Machado de Assis.

Um comentário:

  1. Esse trecho é ótimo!!! E dps no seminário o Bentinho passa a noite tendo sonhos eróticos com mulheres caindo incessantemente! hahahaha

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