quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Carta de Graciliano Ramos a Portinari

Rio - 18 de fevereiro -1946

Caríssimo Portinari,

A sua carta chegou muito atrasada, e receio que esta resposta já não o ache fixando na tela a nossa pobre gente da roça. Não há trabalho mais digno, penso eu. Dizem que somos pessimistas e exibimos deformações; contudo as deformações e a miséria existem fora da arte e são cultivadas pelos que nos censuram.

O que às vezes pergunto a mim mesmo, com angústia, Portinari, é isto: se elas desaparecessem, poderíamos continuar a trabalhar? Desejamos realmente que elas desapareçam ou seremos também uns exploradores, tão perversos como os outros, quando expomos desgraças?

Dos quadros que você me mostrou quando almocei no Cosme Velho pela última vez, o que mais me comoveu foi aquela mãe com a criança morta. Saí de sua casa com um pensamento horrível: numa sociedade sem classes e sem miséria seria possível fazer-se aquilo? Numa vida tranquila e feliz que espécie de arte surgiria? Chego a pensar que faríamos cromos, anjinhos cor de rosa, e isto me horroriza.

Felizmente, a dor existirá sempre, a nossa velha amiga, nada a suprimirá. E seríamos ingratos se desejássemos a supressão dela, não lhe parece? Veja como os nossos ricaços em geral são burros.

Julgo naturalmente que seria bom enforcá-los, mas se isto nos trouxesse tranquilidade e felicidade, eu ficaria bem desgostoso, porque não nascemos para tal sensaboria. O meu desejo é que, eliminados os ricos de qualquer modo e os sofrimentos causados por eles, venham novos sofrimentos, pois sem isto não temos arte.

E adeus, meu grande Portinari. Muitos abraços para você e para Maria.


5 comentários:

  1. Caramba!! MUITO BOM! Um cara mesmo genial. Vontade de imprimir isso e ficar relendo de vez em quando.

    E Van, a escolha do livro não poderia ter sido melhor. Já tinha me passado pela cabeça colocar o Vidas Secas na roda, é um livro incrível, marcante, muito bem escrito. Graciliano é um dos grandes nomes da nossa literatura e mostra como a arte brasileira é de alto nivel.

    ResponderExcluir
  2. Que impacto me causou essa carta. Incrivel! Que nem a Mel, deu vontade de imprimir e ficar relendo. O sofrimento é parte da vida, não tem como fugir. E por meio dele também sabemos perceber a alegria e o amor.

    ResponderExcluir
  3. GENIAL!!! Minha reação foi como das meninas! Reli vááárias vezes!!! Muiiiito bom! Obrigada pela escolha, Van!!!! Vais er um prazer reler Vidas Secas para o clube!!!! O Clube das Literatas precisava desses clássicos!!!!

    ResponderExcluir
  4. Não poderia concordar mais... Vidas secas é um dos meus livros preferidos, apesar (ou justamente porque) de dolorido e as personagens me encantam e me deixam triste ao mesmo tempo... eu não seria a mesma sem o sofrimento de Baleia. Estou super feliz com a escolha, principalmente porque esse livro foi um dos que mais me marcou na graduação que acabou agora...

    ResponderExcluir
  5. Estamos na VI semana Acadêmica de Letras / Graciliano Ramos - vidas secas , e o que mais me impressiona é que tem pessoas que curtiram essa carta terrível e apavorante que Graciliano escreve à Portinari, pois não há denúncia social alguma nesta carta , e sim o cultivo à dor e sofrimento dessa gente . Sem dor , como poderiam fazer arte ? O que aterrorizava o nosso tão amado Graciliano Ramos , é uma vida tranquila e feliz , onde teriam que retratar "anjinhos cor de rosa " , e com certeza ele não iria gostar . No meu ponto de vista , Graciliano fez uma excelente obra , que foi " vidas secas " , porém ele como pessoa , não me convém . Trabalhar na dor e no sofrimento do povo ...Isso não o comovia ? Sabemos que nunca vai acabar a dor , o sofrimento , a exploração e a miséria ,mas lutar e revolucionar pra converter a situação , todos nós podemos . Então , para concluir , nosso histórico autor retrata o povo sertanejo em momento de seca no nordeste brasileiro , onde vários analistas ,professores e estudantes achavam que ele estava denunciando a miséria desse povo , mas ele estava apenas vivendo esse cenário .

    ResponderExcluir