(…)
Por que será que temos tanto medo das
palavras? Não tanto da palavra escrita, mas da palavra pronunciada. Por
que será que ainda acreditamos em palavras mágicas, rezas, abracadabra?
Será que se eu agora, nesta gravação, em vez de te contar esta história,
simplesmente parar por uns segundos, respirar fundo e te dizer: quero
que você morra. Será que isso vai te ajudar a morrer? Será que isso vai
te empurrar? Não sei. Sei apenas que, naquele momento, as palavras da
mãe de Karen, por mais melodramáticas e teatrais que fossem, tiveram
algum efeito em mim. Como quando você assiste a um filme, você sabe que é
tudo mentira, fingimento, mas mesmo assim você sente medo e tristeza e
alegria e o que for. Por que será que a gente, mesmo sabendo que é
ilusão, na hora de sentir sente de verdade? Será apenas catarse? Ou será
uma necessidade muito forte, e muito profunda, de viver algo especial? A
necessidade dos grandes sentimentos, amor, ódio, honra, bravura.
Érika liga de novo o rádio, desta vez
encontra rapidamente uma estação. Uma ópera. Érika diminui o volume, a
música continua enquanto ela fala.
Mas, como te dizia, a mãe de Karen pegou a
bolsa e foi embora. Eu fiquei lá, sem conseguir dizer nada, sem
conseguir me levantar. Fiquei lá o resto da tarde. Me sentia, de
repente, tão frágil, desamparada. É tão fácil qualquer coisa nos
atingir. Até mesmo uma frase teatral. Fiquei pensando, talvez eu seja
mesmo um monstro. Você acha? Mas o que é exatamente um monstro? Lembro
que fui ver no dicionário, monstro é por definição um ser contrário à
natureza. Algo que não deveria existir, que não estava programado. O
monstro é, portanto, uma espécie de falha da evolução. Por outro lado,
há a origem da palavra. Fui procurar a etimologia. E sabe o que eu
achei? Lá dizia que originalmente monstro era o ser que vinha anunciar a
vontade dos deuses. Curioso, não? Eu gosto dessa definição, porque no
fundo ela nos redime, o monstro é apenas um arauto, um arauto negro,
nada mais. E nada do que ele faça poderá mudar a vontade dos deuses,
entende? Ou seja, o monstro não tem culpa da mensagem que carrega. Mais
que isso. Sem ele ficaríamos incomunicáveis. Sem ele, ao entrarmos na
sala escura na expectativa da música, do concerto, encontraríamos, aí
sim, apenas o silêncio.
Érika desliga o rádio.
Carola Saavedra, Paisagem com dromedário
Preciso ler esse livro para JÁ!
ResponderExcluir