quarta-feira, 6 de abril de 2011

Não só de pão vive o homem

MEIO PÃO E UM LIVRO

Fala de Federico García Lorca ao Povo de Fuente de Vaqueros (Granada). Setembro, 1931


Quando alguém vai ao teatro, a um concerto ou a uma festa de qualquer tipo que seja, se a festa é de seu agrado, recorda imediatamente e lamenta que as pessoas que ele ama não se encontrem ali. “Como isso agradaria a minha irmã e ao meu pai”, pensa, e não goza já do espetáculo sem sentir uma leve melancolia. Esta é a melancolia que eu sinto, não pela gente da minha casa, o que seria pequeno e ruim, senão por todas as criaturas que, por falta de meios e por desgraça sua, não gozam do supremo bem da beleza que é a vida, a bondade, a serenidade e a paixão.

Por isso não tenho nunca um livro, porque presenteio tantos quanto compro, que são infinitos, e por isso estou aqui honrado e contente em inaugurar essa biblioteca do povo, a primeira seguramente em toda a província de Granada.

Não só de pão vive o homem. Se eu tivesse fome e estivesse desvalido na rua, não pediria um pão, mas sim pediria meio pão e um livro. E eu ataco desde aqui, violentamente, aos que somente falam de reivindicações econômicas sem nomear jamais as reivindicações culturais que é o que os povos pedem a gritos. Bem está que todos os homens comam, porém que todos os homens saibam. Que gozem todos os frutos do espírito humano porque o contrário é convertê-los em máquinas ao serviço do Estado, é convertê-los em escravos de uma terrível organização social.

Eu tenho muito mais pena de um homem que quer saber e não pode, do que de um faminto. Porque um faminto pode acalmar sua fome facilmente com um pedaço de pão ou com umas frutas, porém um homem que tem ânsia de saber e não tem meios sofre uma terrível agonia por que são livros, livros, muitos livros de que necessita e onde estão esses livros?

Livros! Livros! Eis aqui uma palavra mágica que equivale a dizer: “amor, amor”, e que deviam os povos pedir como pedem pão ou como clamam a chuva para as suas sementeiras. Quando o insigne escritor russo Feodor Dostoievsky, pai da revolução russa muito mais que Lenin, estava prisioneiro na Sibéria, distante do mundo, entre quatro paredes e cercado por desoladas planícies de neve infinita; e pedia socorro na carta a sua distante família, só dizia: “enviem-me livros, livros, muitos livros para que minha alma não morra!”. Tinha frio e não pedia fogo, tinha terrível sede e não pedia água: pedia livros, quer dizer, horizontes, quer dizer, escadas para subir ao cume do espírito e do coração. Porque a agonia física, biológica, natural, de um corpo por fome, sede ou frio, dura pouco, muito pouco, porém a agonia da alma insatisfeita dura toda a vida.

Já tem dito o grande Menéndez Pidal, um dos sábios mais verdadeiros da Europa, que a alma da república deve ser: “Cultura”. Cultura porque só através dela se podem resolver os problemas com que hoje se debate o povo cheio de fé, porém vazio de luz.

5 comentários:

  1. Que discurso MARAVILHOSO! Nossa, Mel, juro que fiquei emocionada!

    "enviem-me livros, livros, muitos livros para que minha alma não morra!”.

    E me identifiquei demaaais com esse primeiro trecho:

    "Quando alguém vai ao teatro, a um concerto ou a uma festa de qualquer tipo que seja, se a festa é de seu agrado, recorda imediatamente e lamenta que as pessoas que ele ama não se encontrem ali. “Como isso agradaria a minha irmã e ao meu pai”, pensa, e não goza já do espetáculo sem sentir uma leve melancolia."

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  2. Incrível, né? Também me emociono com ele. Foi uma das leituras do primeiro encontro desse semestre do grupo de pesquisa, no sábado passado!

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  3. Ele traduz toda a magia que a gente sente e quer transmitir com o blog, o clube! MARAVILHOSO!

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  4. Essa é realmente a ideia do blog, do clube, de tudo que fazemos: transmitir e viver juntas esse AMOR a cultura, aos livros, a beleza e ao prazer!!

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  5. Nossa, vou dizer como a Gabi! Que vontade de sair gritando isso na rua!!!

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