segunda-feira, 1 de novembro de 2010


Traduzir-se

Ferreira Gullar


Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
— que é uma questão
de vida ou morte —
será arte?



De Na Vertigem do Dia (1975-1980)

2 comentários:

  1. Eu adoro esse poema, tenho ele no meu blog com uma imagem parecida inclusive...muito bom!

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  2. Lindissimo!!
    "Uma parte de mim é permanente:
    outra parte se sabe de repente"

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