sábado, 31 de julho de 2010
Sou porta bandeira de mim
Eis o melhor e o pior de mim
O meu termômetro, o meu quilate
Vem, cara, me retrate
Não é impossível
Eu não sou difícil de ler
Faça sua parte
Eu sou daqui, eu não sou de Marte
Vem, cara, me repara
Não vê, tá na cara, sou porta bandeira de mim
Só não se perca ao entrar
No meu infinito particular
Em alguns instantes
Sou pequenina e também gigante
Vem, cara, se declara
O mundo é portátil
Pra quem não tem nada a esconder
Olha minha cara
É só mistério, não tem segredo
Vem cá, não tenha medo
A água é potável
Daqui você pode beber
Só não se perca ao entrar
No meu infinito particular
(Arnaldo Antunes, Marisa Monte, Carlinhos Brown)
Ouçam aqui!
Um instante
Quase insuportável e indescritível...
sexta-feira, 30 de julho de 2010
luxo radioso de sensações
Trecho de O Primo Basílio, de Eça de Queirós.
Dez chamamentos ao amigo
Atrai
"Ai....
Quanto querer
Cabe em meu coração
Ai....
Me faz sofrer
Faz que me mata
E se não mata, fere
Vai....
Sem me dizer
Na casa da paixão
Sai....
Quando bem quer
Traz uma praga
E me afaga a pele
Crescei, luar
Pra iluminar as trevas
Fundas da paixão
Eu quis lutar
Contra o poder do amor
Caí nos pés do vencedor
Para ser o serviçal
De um samurai
Mas eu tô tão feliz!
Dizem que o amor
Atrai..."
Samurai, Djavan
quinta-feira, 29 de julho de 2010
Nem o sol, nem a lua, nem eu
Hoje eu encontrei a Lua
Antes dela me encontrar
Me lancei pelas estrelas
E brilhei no seu lugar
Derramei minha saudade
E a cidade se acendeu
Por descuido ou por maldade
Você não apareceu
Hoje eu acordei o dia
Antes dele te acordar
Fui a luz da estrela-guia
Pra poder te iluminar
Derramei minha saudade
E a cidade escureceu
Desabei na tempestade
Por um beijo seu
Nem a Lua, nem o Sol, nem Eu
Quem podia imaginar
Que o amor fosse um delírio seu
E o meu fosse acreditar
Hoje o Sol não quis o dia
Nem a noite o luar
Lenine
Sou sua sabiá
"Se o mundo for desabar
sobre a sua cama
E o medo se aconchegar
sob o seu lençol
E se você sem dormir
tremer ao nascer do sol
Escute a voz de quem ama
ela chega aí
Você pode estar
tristíssimo no seu quarto
Que eu sempre terei
meu jeito de consolar
É só ter alma de ouvir,
e coração de escutar
E nunca me farto
do uníssono com a vida
Eu sou, sou sua sabiá
Não importa
onde for vou te catar
Te vou cantar te vou
te vou te vou te vou
Eu sou, sou sua sabiá
O que eu tenho eu te dou
E tenho a dar
Só tenho a voz cantar,
cantar, cantar, cantar"
Sou seu sabiá, Caetano Veloso
Sandália amarela.
Um par de sandálias
Da cor do meu chapéu de palha
É ela de saia amarela e uma blusa de filó
E eu com uma flor na lapela do meu palitó
E se for com ela ao altar para oficializar o nosso velho caso
E na volta eu faço um pedido pro meu orixá
Acenda uma vela com toda cautela
Pedindo pra ela jamais me deixar
Mas se a vida melhorar, eu mudo
Vou construir um cantinho bem arrumadinho
Com flores e tudo
Uma casa com sala e varanda em Jacarepaguá
Eu todo frajola de fraque e cartola
Tocando viola de papo pro ar
Casuarina.
quarta-feira, 28 de julho de 2010
E ela inda está sambando...
Ela desatinou, viu chegar quarta-feira
Acabar brincadeira, bandeiras se desmanchando
E ela inda está sambando
Ela desatinou, viu morrer alegrias, rasgar fantasias
Os dias sem sol raiando e ela inda está sambando
Ela não vê que toda gente, já está sofrendo normalmente
Toda a cidade anda esquecida, da falsa vida, da avenida onde
Ela desatinou, viu chegar quarta-feira
Acabar brincadeira, bandeiras se desmanchando
E ela inda está sambando
Ela desatinou, viu morrer alegrias, rasgar fantasias
Os dias sem sol raiando e ela inda está sambando
Quem não inveja a infeliz, feliz
No seu mundo de cetim, assim,
Debochando da dor, do pecado
Do tempo perdido, do jogo acabado
(Chico Buarque)
Ouçam aqui!
Um vislumbre do fim.
Ler Clarice é...
"Ler Clarice é viver em permanente estado de paixão.
Ler Clarice exige uma mudança de postura do leitor no modo pelo qual ele se aproxima do texto. É que o texto de Clarice pede uma escuta atenta, uma entrega de quem o lê. Clarice fala de coisas presentes no nosso dia-a-dia, o modo pelo qual reagimos aos acontecimentos mais banais, como andar na rua, olhar-se ao espelho ou conversar com um amigo. Ela nos mostra, também, outras coisas vivenciadas interiormente, aqueles momentos sem palavras dos quais só o nosso coração testemunha. Clarice escreve textos como quem vai desvelando a realidade, sondando os gestos, os olhares; tudo tão sutilmente que quando o leitor se dá conta vê-se diante de um instante mágico, especial, ao reconhecer a sua vida, a si mesmo, através daquelas palavras.
Ler Clarice é uma oportunidade de mudar o seu olhar diante do universo. É estar disponível para se aventurar no seu interior de forma irracional, sem censuras. Deixar-se levar pela imaginação, pela intuição e usá-las como forma de conhecimento.
Ao publicar A paixão segundo G.H., Clarice escreveu uma pequena nota introdutória onde pedia que este livro só fosse lido por pessoas de alma já formada. Isso mostra até que ponto pode-se absorver o que o seu texto diz. Ao ler Clarice deve-se estar disposto a aceitar o não entendimento de determinados processos da vida. Clarice dizia: “Suponho que entender não seja uma questão de inteligência, mas uma questão de sentir, de entrar em contato.” Isso faz parte do caminho aberto pelo seu texto. Cada leitor contém a sua bagagem particular de experiências, sensações, acionadas no momento da leitura; Clarice sabe disso e valoriza estas particularidades. Seu texto é um convite permanente ao "viver ultrapassa todo o entendimento" (palavras de Clarice).
Clarice escreveu crônicas, contos, romances, livros infantis, reportagens, páginas femininas, uma peça teatral, enfim, exercitou-se em diferentes registros de textos, mas imprimiu sua marca em todos eles: o texto interroga, faz o natural parecer sobrenatural, imprime um sentido ainda desconhecido por nós.
Viver essa experiência de ser leitor de Clarice é uma aventura no que ela tem de imprevisível, surpreendente, perigoso, ao mesmo tempo é um presente porque quando se está lendo Clarice você se sente especial dentro deste universo criado por ela. Especial porque você consegue se reconhecer como um ser humano cheio de limitações, sujeito às adversidades da vida, ao fracasso, às crises, mas também capaz de trilhar um caminho repleto de descobertas, de sustos, de grandes alegrias, de momentos de êxtase, vertigens, delírios.
Ler Clarice é a possibilidade de viver intensamente o que se é."
Teresa Monteiro, doutora em Letras pela PUC-Rio, autora de Eu sou uma pergunta – uma biografia de Clarice Lispector (1999), organizadora de Correspondências – Clarice Lispector (2002), Outros escritos e Aprendendo a viver imagens.
terça-feira, 27 de julho de 2010
De molho
segunda-feira, 26 de julho de 2010
A saudade...
A saudade é um trem de metrô
Subterrâneo obscuro escuro claro
É um trem de metrô
A saudade é prego parafuso
Quanto mais aperta
Tanto mais difícil arrancar
A saudade é um filme sem cor
Que meu coração quer ver colorido
A saudade é uma colcha velha
Que cobriu um dia, numa noite fria,
Nosso amor em brasa
A saudade é Brigitte Bardot
Acenando com a mão
Num filme muito antigo
(Zeca Baleiro)
OUÇAM AQUI
domingo, 25 de julho de 2010
sexta-feira, 23 de julho de 2010
Mas como dói!
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e
comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.
De Itabira trouxe prendas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
A outra
A paixão segundo G.H. , Clarice Lispector.
quinta-feira, 22 de julho de 2010
A lição de poesia
Toda a manhã consumida
como um sol imóvel
diante da folha em branco:
princípio do mundo, lua nova.
Já não podias desenhar
sequer uma linha;
um nome, sequer uma flor
desabrochava no verão da mesa:
nem no meio-dia iluminado,
cada dia comprado,
do papel, que pode aceitar,
contudo, qualquer mundo.
2.
A noite inteira o poeta
em sua mesa, tentando
salvar da morte os monstros
germinados em seu tinteiro.
Monstros, bichos, fantasmas
de palavras, circulando,
urinando sobre o papel,
sujando-o com seu carvão.
Carvão de lápis, carvão
da idéia fixa, carvão
da emoção extinta, carvão
consumido nos sonhos.
3.
A luta branca sobre o papel
que o poeta evita,
luta branca onde corre o sangue
de suas veias de água salgada.
A física do susto percebida
entre os gestos diários;
susto das coisas jamais pousadas
porém imóveis - naturezas vivas.
E as vinte palavras recolhidas
as águas salgadas do poeta
e de que se servirá o poeta
em sua máquina útil.
Vinte palavras sempre as mesmas
de que conhece o funcionamento,
a evaporação, a densidade
menor que a do ar.
João Cabral de Melo Neto
No dia em que ocê foi embora...
A onda ainda quebra na praia
Espumas se misturam com o vento
No dia em que ocê foi embora
Eu fiquei sentindo saudades do que não foi
Lembrando até do que eu não vivi
pensando em nós dois
Eu lembro a concha em seu ouvido
Trazendo o barulho do mar na areia
No dia em que ocê foi embora
Eu fiquei sozinho olhando o sol morrer
Por entre as ruínas de Santa Cruz lembrando nós dois
Os edifícios abandonados
As estradas sem ninguém
Óleo queimado, as vigas na areia
A lua nascendo por entre os fios dos teus cabelos
Por entre os dedos da minha mão passaram certezas e dúvidas
Pois no dia em que ocê foi embora
Eu fiquei sozinho no mundo, sem ter ninguém
O último homem no dia em que o sol morreu...
(Lenine)
OUÇAM AQUI!
Vento no Litoral
De tarde quero descansar
Chegar até a praia e ver
Se o vento ainda está forte
E vai ser bom subir nas pedras
Sei que faço isso pra esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando tudo embora...
Agora está tão longe
Ver a linha do horizonte me distrai
Dos nossos planos é que tenho mais saudade
Quando olhávamos juntos na mesma direção
Aonde está você agora
Além de aqui, dentro de mim?
Agimos certo sem querer
Foi só o tempo que errou
Vai ser difícil sem você
Porque você está comigo o tempo todo
E quando vejo o mar
Existe algo que diz
Que a vida continua
E se entregar é uma bobagem...
Já que você não está aqui
O que posso fazer
É cuidar de mim
Quero ser feliz ao menos
Lembra que o plano era ficarmos bem?
Sei que faço isso
Pra esquecer
Eu deixo a onda me acertar
E o vento vai levando
Tudo embora...
Legião Urbana
Corasamborim
"Bom dia Comunidade!
Vem pra minha ala
Que hoje a nossa escola vai desfilar
Vem fazer história
Que hoje é dia de glória nesse lugar
Vem comemorar
Escandalizar ninguem
Vem me namorar
Vou te namorar também
Vamos pra avenida
Desfilar a vida
Carnavalizar
Na Portela tem Mocidade
Imperatriz
No Império tem
Uma Vila tão feliz
Beija-Flor vem ver
A porta-bandeira
Na Mangueira tem morena da Tradição
Sinto a batucada se aproximar
Estou ensaiado para te tocar
Repique tocou
O surdo escutou
E o meu corasamborim
(Samborim)
Cuíca gemeu
Será que era eu
Quando ela passou por mim"
Carnavália, Marisa Monte
quarta-feira, 21 de julho de 2010
O quereres
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alto, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão
Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês
Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor
Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói
Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és
Ah! Bruta flor do querer
Ah! Bruta flor, bruta flor
Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock’n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus
O quereres e o estares sempre a fim
Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há e do que não há em mim
(Caetano Veloso)
Ouçam aqui!
Abandonar
Saber desistir. Abandonar ou não abandonar — esta é muitas vezes a questão para um jogador. A arte de abandonar não é ensinada a ninguém. E está longe de ser rara a situação angustiosa em que devo decidir se há algum sentido em prosseguir jogando. Serei capaz de abandonar nobremente? ou sou daqueles que prosseguem teimosamente esperando que aconteça alguma coisa? como, digamos, o próprio fim do mundo? ou seja lá o que for, como a minha morte súbita, hipótese que tornaria supérflua a minha desistência?
Eu não quero apostar corrida comigo mesmo. Um fato."
Faço o mar
" é de iludir que faço o mar pra navegar
vamo lá
eu não vi, não, final
sei que o daqui teimou de vir tenaz assim
feito passarim
é de mágica que eu dobro a vida em flor
assim
e ao senhor de iludir
manda avisar que esse daqui
tem muito mais amor pra dar"
É de lágrima, Marcelo Camelo
terça-feira, 20 de julho de 2010
De chumbo e segredo
Me despertou de um estado de coma
Quando você partiu pra mim, o embaraço
Deu ferrugem nos meus nervos de aço
Pois tua alma é de chumbo e segredo
Eu fui a razão do riso da Monalisa
Quando você sorriu pra mim, um beijo
Na hora "H" foi como detonar a bomba do meu desejo
Meus olhos de raio X cegaram de medo
Pois tua alma é de chumbo e segredo
(Lenine)
segunda-feira, 19 de julho de 2010
Tecendo a manhã
Corra e Olhe o céu
"Linda
Te sinto mais bela
Te fico na espera
Me sinto tão só
Mas o tempo que passa
Em dor maior, bem maior
Linda
No que se apresenta
O triste se ausenta
Fez-se a alegria
Corra e olhe o céu
Que o sol vem trazer
Bom dia
Ai, corra e olhe o céu
Que o sol vem trazer
Bom dia."
Corra e Olhe o céu, Cartola
sexta-feira, 16 de julho de 2010
O rouxinol e a rosa, parte final.
(Parte final)
"Mas o espinho não lhe alcançava ainda o coração e o coração da flor continuava branco – pois somente o coração de um Rouxinol pode avermelhar o coração de rosa.
_ Mais ainda, Rouxinol, - clamou a Roseira – raiar o dia antes que eu finalize a rosa.
E o Rouxinol, desesperado, calcou-se mais forte no espinho, e o espinho lhe feriu o coração, e uma punhalada de dor o traspassou.
Amarga, amarga lhe foi a angústia e cada vez mais fremente foi o canto, porque ele cantava o amor que a morte aperfeiçoa, o amor que não morre nem no túmulo.
E a rosa maravilhosa tornou-se purpurina como a rosa do céu oriental. Suas pétalas ficaram rubras e, vermelho como um rubi, seu coração.
Mas a voz do Rouxinol se foi enfraquecendo, as pequeninas asas começaram a estremecer e uma névoa cobriu-lhe o olhar, o canto tornou-se débil e ele sentiu qualquer coisa apertar-lhe a garganta.
Então, arrancou do peito o derradeiro grito musical.
Ouviu-o a lua branca, esqueceu-se da Aurora e permaneceu no céu.
A rosa vermelha o ouviu, e trêmula de emoção, abriu-se à aragem fria da manhã. Transportou-o o Eco, à sua caverna purpurina, nos montes, despertando os pastores de seus sonhos. E ele levou-os através dos caniços dos rios e eles transmitiram sua mensagem ao mar.
_ Olha! Olha! Exclamou a Roseira. – A rosa está pronta, agora.
Ao meio dia o Estudante abriu a janela e olhou.
_ Que sorte! – disse – Uma rosa vermelha! Nunca vi rosa igual em toda a minha vida. É tão linda que tem certamente um nome complicado em latim. E curvou-se para colhê-la.
Depois, pondo o chapéu, correu à casa do professor.
_ Disseste que dançarias comigo se eu te trouxesse uma rosa vermelha, - lembrou o Estudante. – Aqui tens a rosa mais linda e vermelha de todo o mundo. Hás de usá-la, hoje a noite, sobre ao coração, e quando dançarmos juntos ela te dirá o quanto te amo.
A moça franziu a testa.
_ Esta rosa não combina com o meu vestido, disse. Ademais, o Capitão da Guarda mandou-me jóias verdadeiras, e jóias, todos sabem, custam muito mais do que flores...
_ És muito ingrata! – exclamou o Estudante, zangado. E atirou a rosa a sarjeta, onde a roda de um carro a esmagou.
_ Sou ingrata? E o senhor não passa de um grosseirão. E, afinal de contas, quem és? Um simples estudante... não acredito que tenhas fivelas de prata, nos sapatos, como as tem o Capitão da Guarda... – e a moça levantou-se e entrou em casa.
_ Que coisa imbecil, o Amor! – Resmungou o estudante, afastando-se. – Nem vale a utilidade da Lógica, porque não prova nada, está sempre prometendo o que não cumpre e fazendo acreditar em mentiras. Nada tem de prático e como neste século o que vale é a prática, volto à Filosofia e vou estudar metafísica.
Retornou ao quarto, tirou da estante um livro empoeirado e pôs-se a ler..."
O rouxinol e a rosa. Oscar Wilde.
É em mim
quinta-feira, 15 de julho de 2010
O rouxinol e a rosa, segunda parte.
Minhas amadas literatas,
Espero que tenham gostado da primeira parte do conto. Hoje, deixo para vocês a segunda parte.
Aguardem a parte final do conto!
Boa leitura!
(Segunda parte)
"Subitamente, abriu as asas pardas e voou.
Cortou, como uma sombra, a alameda, e como uma sombra, atravessou o jardim.
Ao centro do relvado, erguia-se uma roseira. Ele a viu. Voou para ela e posou num galho.
_ Dá-me uma rosa vermelha – pediu – e eu cantarei para ti a minha mais bela canção!
_ Minhas rosas são brancas; tão brancas quanto a espuma do mar, mais brancas que a neve das montanhas. Procura minha irmã, a que enlaça o velho relógio-de-sol. Talvez te ceda o que desejas.
Então o Rouxinol voou para a roseira, que enlaçava o velho relógio-de-sol.
_ Dá-me uma rosa vermelha – pediu – e eu te cantarei minha canção mais linda.
A roseira sacudiu-se levemente.
_ Minhas rosas são amarelas como as cabelos dourados das donzelas, ainda mais amarelas que o trigo que cobre os campos antes da chegada de quem o vai ceifar. Procura a minha irmã, a que vive sob a janela do Estudante. Talvez ela possa te possa ajudar.
O Rouxinol então, dirigiu o vôo para a roseira que crescia sob a janela do Estudante.
_ Dá-me uma rosa vermelha – pediu - e eu te cantarei a mais linda de minhas canções.
A roseira sacudiu-se levemente.
_ Minhas rosas são vermelhas, tão vermelhas quanto os pés das pombas, mais vermelhas que os grandes leques de coral que oscilam nos abismos profundos do oceano. Contudo, o inverno regelou-me até as veias, a geada queimou-me os botões e a tempestade quebrou-me os galhos. Não darei rosas este ano.
_ Eu só quero uma rosa vermelha, repetiu o Rouxinol, - uma só rosa vermelha. Não haverá meio de obtê-la?
_ Há, respondeu a Roseira, mas é meio tão terrível que não ouso revelar-te.
_ Dize. Não tenho medo.
_ Se queres uma rosa vermelha, explicou a roseira, hás de fazê-la de música, ao luar, tingi-la com o sangue de teu coração. Tens de cantar para mim com o peito junto a um espinho. Cantarás toda a noite para mim e o espinho deve ferir teu coração e teu sangue de vida deve infiltrar-se em minhas veias e tornar-se meu.
_ A morte é um preço exagerado para uma rosa vermelha – exclamou o Rouxinol – e a Vida é preciosa... É tão bom voar, através da mata verde e contemplar o sol em seu esplendor dourado e a lua em seu carro de pérola...O aroma do espinheiro é suave, e suaves são as campânulas ocultas no vale, e as urzes tremulantes na colina. Mas o Amor é melhor que a Vida. E que vale o coração de um pássaro comparado ao coração de um homem?
Abriu as asas pardas para o vôo e ergueu-se no ar. Passou pelo jardim como uma sombra e, como uma sombra, atravessou a alameda.
O Estudante estava deitado na relva, no mesmo ponto em que o deixara, com os lindos olhos inundados de lágrimas.
_ Rejubila-te – gritou-lhe o Rouxinol – Rejubila-te; terás a tua rosa vermelha. Vou fazê-la de música, ao luar. O sangue de meu coração a tingirá. Em conseqüência só te peço que sejas sempre verdadeiro amante, porque o Amor é mais sábio do que a Filosofia; mais poderoso que o poder.. Tem as asas da cor da chama e da cor da chama tem o corpo. Há doçura de mel em seus braços e seu hálito lembra o incenso.
O Estudante ergueu a cabeça e escutou. Nada pode entender, porém, do que dizia o Rouxinol, pois sabia apenas o que está escrito nos livros.
Mas o Carvalho entendeu e ficou melancólico, porque amava muito o pássaro que construíra ninho em seus ramos.
_ Canta-me um derradeiro canto – segredou-lhe – sentir-me-ei tão só depois da tua partida.
Então o Rouxinol cantou para o Carvalho, e sua voz fazia lembrar a água a borbulhar de uma jarra de prata.
Quando o canto finalizou, o Estudante levantou-se, tirando do bolso um caderninho de notas e um lápis.
_ Tem classe, não se pode negar – disse consigo – atravessando a alameda. Mas terá sentimento? Não creio. É igual a maioria dos artistas. Só estilo, sinceridade nenhuma. Incapaz de sacrificar-se por outrem. Só pensa e cantar e bem sabemos quanto a Arte é egoísta. No entanto, é forçoso confessar, possui maravilhosas notas na voz. Que pena não terem significação alguma, nem realizarem nada realmente bom!
Foi para o quarto, deitou-se e, pensando na amada, adormeceu.
Quando a lua refulgia no céu, o Rouxinol voou para a Roseira e apoiou o peito contra o espinho. Cantou a noite inteira e o espinho mais e mais foi se enterrando em seu peito, e o sangue de sua vida lentamente se escoou...
Primeiro descreveu o nascimento do amor no coração de um menino e uma menina; e, no mais alto galho da Roseira, uma flor desabrochou, extraordinária, pétala por pétala, acompanhando um canto e outro canto. Era pálida, a princípio, qual a névoa que esconde o rio, pálida qual os pés da manhã e as asas da alvorada. Como sombra de rosa num espelho de prata, como sombra de rosa em água de lagoa era a rosa que apareceu no mais alto galho da Roseira.
Mas a Roseira pediu ao Rouxinol que se unisse mais ao espinho. – Mais ainda, Rouxinol, - exigiu a Roseira, - senão o dia raia antes que eu acabe a rosa.
O Rouxinol então apertou ainda mais o espinho junto ao peito, e cada vez mais profundo lhe saía o canto porque ele cantava o nascer da paixão na alma do homem e da mulher.
E tênue nuance rosa nacarou as pétalas, igual ao rubor que invade a face do noivo quando beija a noiva nos lábios."
O rouxinol e a rosa. Oscar Wilde.
quarta-feira, 14 de julho de 2010
O rouxinol e a rosa
_ Os músicos da galeria – prosseguiu o Estudante – tocarão nos seus instrumentos de corda e, ao som de harpas e violinos, minha amada dançará. Dançará tão leve, tão ágil, que seus pés mal tocarão o assoalho e os cortesãos, com suas roupas de cores vivas, reunir-se-ão em torno dela. Mas comigo não bailará, porque não tenho uma rosa vermelha para dar-lhe... – e atirando-se à relva, ocultou nas mãos o rosto e chorou.
_ Por que está chorando? – perguntou um pequeno lagarto ao passar por ele, correndo, de rabinho levantado.
_ É mesmo! Por que será? – Indagou uma borboleta que perseguia um raio de sol.
_ Por quê? – sussurrou uma linda margarida à sua vizinha.
_ Chora por causa de uma rosa vermelha, - informou o Rouxinol.
_ Por causa de uma rosa vermelha? – exclamaram – Que coisa ridícula! E o lagarto, que era um tanto irônico, riu à vontade.
Mas o Rouxinol compreendeu a angústia do Estudante e, silencioso, no carvalho, pôs-se a meditar sobre o mistério do Amor."
O rouxinol e a rosa. Oscar Wilde.